Surpresa

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Pov Helô


A janela de vidro mostrava um mundo completamente ilusório. A falsidade que aquele cercado de muros proporcionava era engraçada e talvez cômica. Apenas desejava ver além daquelas paredes esverdeadas que separavam o verdadeiro do falso. Era como se aquilo se tratasse do céu e do inferno, porém algo me dizia que eu não me encontrava no lugar certo. Mas existe habitação apropriada para mim? Um ser tão errado. Existem pessoas que insistem em esboçar o mínimo de sorriso possível. Pergunto-me o porquê. Ah claro, é porque nenhuma é trancafiada em um quarto para residir sem nenhum divertimento durante horas e talvez dias. Talvez esteja sendo insensível nesse instante, pois não é uma situação tão dramática quanto alerto.

Poderia ser pior, mas mesmo assim é terrível. Eu não careço de liberdade, mas sou repreendida e vistoriada a todo o momento para que não cometa qualquer cagada. Sinto em comentar que essa atitude nobre foi graças a Joseph, que insistiu diante o conselho para que eu concebesse da ideia de vagar pela "prisão". É assim que eu nomeio esse maldito lugar.

Menos de um dia, em poucos horas eu completarei a famosa e esperada idade. Heloísa, a pessoa que vos fala, irá completar vinte e cinco anos para o bem geral. Tantas pessoas aparentam a felicidade por estarem vivas mais um ano, mas eu diferentemente da manada não vejo vantagens em fazer aniversário. Vejamos as considerações: a cada ano fico mais velha e não apenas mentalmente, mas principalmente fisicamente; sempre que a data tão esperada chega meus pais acreditam que eu me tornarei uma pessoa mais aberta ao mundo e não estou dizendo no sentido malicioso da história e sim no quesito emocional, mas e quem não sente? Hahaha, piada boba. Também sou obrigada todo ano a agradecer a diversas pessoas consideradas falsas, pela simples questão da educação e, por fim, a questão que nossas avós demarcam quando uma nova idade é avistada (devo dizer que isso é ridículo), mas eu sei bem que todas dizem a mesma coisa que é a experiência de viver, sentir a juventude ir embora, mas eu realmente não sinto diferença de quando tinha doze anos. É claro que agora posso fazer coisas que antes sequer imaginaria, porém nada melhora. Pelo menos não para mim.

Tentar me imaginar como uma adolescente padrão é praticamente impossível, pois não existe resquício nenhum que me ajude a concretizar essa ideia insana. Nunca fui considerada uma criança normal por ninguém na realidade. Meus pais insistiam em comentar que eu era uma pessoa especial diante os outros, porém eles mal sabiam que eu apenas queria me sentir comum, apenas outro ser humano simples e irrelevante. Sair para ir a festas ou participar do grupo de lideres de torcida era uma possibilidade utópica e ultrapassada. Nunca aconteceria, pois, se talvez considerasse a possibilidade, eu seria taxada como a garota que passa mal toda hora sem explicação alguma.

Relembrar o passado era até que engraçado. Eram imagens de episódios que felizmente nunca voltariam. O copo estava sendo segurado por mim fortemente. Talvez a pressão que investia em tais pensamentos resultou no aperto significativo do objeto de vidro. Por sorte ele não se quebrou em diversos pedacinhos incontáveis.

Olhei adiante, mas a sequência a seguir não foi imaginável, nunca é. A dor rotineira e o forte incômodo em minha cabeça infestaram meu ser gerando, como de costume, a zonzeira que impossibilitava minha capacidade de pensar criticamente. O ciclo cansativo e fatigante novamente. Tentei me segurar na liga metálica ao meu lado, porém o ato foi completamente irrelevante, pois no instante seguinte o chão era meu melhor suporte. Usei da força que tinha para abafar os gritos que ecoavam em minha consciência. Queria que eles parassem. Avistei o botão vermelho que Joseph havia me presenteado para quando acontecesse exatamente essa cena deprimente. Ele disse que estaria pronto para me ajudar, mas dizem que sou uma pessoa muito difícil. Sempre lidei com isso sozinha e continuaria assim até o fim. A dor me consumia por inteiro, era como se uma força sobrenatural me puxasse para o lado negro e obscuro. A força que eu investia deveria ser suficiente para que eu não fosse vencida. Debatia-me, arranhava-me para não ser capaz de gritar, mas foi insignificante. O grito ensurdecedor invadiu todo o recinto. Estava novamente imensa nas premonições.

"Seu aniversário de vinte anos". Pisquei algumas vezes, procurando ignorar as imagens que minha mente criava. "Alsácia estava bem longe no momento, ela não estava em casa". A batida na porta se tornou um plano secundário. "Suas costas doíam e pequenos ferimentos sangravam pela superfície de sua pele. A mão forte dele a puxava com força e agressividade". Ele quem? Quem me deixou marcas tão violentas? "– Não me importo com seu bem-estar, quero que você se foda!". A voz do desconhecido entrava em sua mente. O que havia feito de errado para receber tanto ódio? O braço amigável a envolveu em um abraço. "– Preciso saber quem é você." "Sentia o sangue descer de seu rosto, havia se machucado em algum momento. A dor forte na cabeça, a típica tortura que lhe infernizava, mal sentia seus braços se mexerem." " – Prazer, seu pior pesadelo." E logo em seguida, a escuridão total.

***

Fui acordada por alguém com o toque afável. Tentei recapitular onde estava, mas novamente desconhecia o local. Minha visão era turva, porém notei com certeza que o ser disposto a minha frente era Joseph. Ele tentava me transmitir através do olhar o sentimento de paz, inutilmente.

As imagens voltaram no instante seguinte, as premonições... Quem era aquele ser? Quem era o meu famoso pesadelo? Seria Joseph? Provavelmente não. O loiro à minha frente nunca encostaria um dedo sequer em mim. Pensamento impensável. Queria surtar, gritar, mas não deixaria que Bouvier visse meu estado de nervos. Era muita fraqueza.

- Me diga que tudo está bem – ele pediu.

- Tudo está bem – confirmei.

- Agora, diga a verdade. Você está mentindo.

- Não estou mentindo. Eu realmente estou bem. – Dei de ombros, retirando a agulha do meu braço.

- Não faz isso. – ele me repreendeu.

- Não é necessário.

- Claro que é. Você não é formada em medicina para saber.

- Nem você. Apenas um idiota não percebe que toda essa assistência é ridícula. Isso já aconteceu inúmeras vezes, acredite em mim. – Cruzei os braços.

- Quem sou eu para duvidar. Só estou dizendo que, diante do estado em que você foi encontrada, era necessária a utilização do soro.

- Singelos minutos, Bouvier. Não aumente a situação – bufei, completamente nervosa com a insistência dele.

- Minutos? Você está desacordada há horas. E parece que já é seu aniversário. Parabéns Holô. – Ele sorriu minimamente.

- Nunca mais me chame assim, escutou? Em hipótese alguma. – Fechei meu punho em forma de protesto.

- Mas eu...

- Eu já lhe disse, Joseph. Agora, posso descansar em paz ou mesmo no meu aniversário eu vou ser acolhida por essa chatice que é sua companhia?

- Heloísa... – ele comentou baixo.

Ao ver sua feição, eu me reprimi pelas duras palavras. Porém, agora era tarde, sentenças proferidas jamais seriam revertidas. Ele deveria crescer e amadurecer como pessoa. A vida é dura; simplesmente e claramente essa é a realidade. Desfiz-me das últimas faixas que me prendiam na maca. Dei de ombros, não enviando o olhar para Joseph.

- Feliz aniversário, Heloísa. – Ouvi ele dizer ao fundo.

Notas: E aí meus amores, como estão? Demorei, espero que não tenham desistido de mim. Adoraria saber se estão gostando, significa muito. Amo vcs!!!

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