CAPÍTULO III - Parte 2

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Pela primeira vez após aproximadamente um mês de isolamento, o Rei Louis abandonou seus aposentos trazendo espanto à mãe ao sentar-se na grande mesa repleta de pães, doces e frutas. Quatro guardas da corte ficavam em suas posições em cada canto do cômodo, armados e sérios. Era como se não estivessem ali. Somente uma jovem, ama de sua mãe, Elizabeth, a servia. Isso o deixou demasiado preocupado, já que geralmente duas ou três perambulavam ao redor da ex-Rainha.

— Bom dia, minha mãe. — cumprimentou-a beliscando um pão. Elizabeth abaixou a cabeça como sinal de reverência.

— Bom dia, Majestade. Regozijo-me de vê-lo novamente à mesa comigo, meu filho. — sorriu gentilmente.

— Talvez esteja certa. Digo, vós estavam certos, com toda a certeza. Há demasiado tempo que não vejo a luz do dia. Creio que Deus não almeja que o Rei se isole nos seus aposentos. Sou grato a Ele pela minha existência, por mais que tenha surrupiado a vida de minha amada. — deu um gole em seu chá, acompanhando o olhar de sua mãe.

— Ora Louis, não seja hipócrita. Todos nós sabemos das suas aventuras, se ao menos tivesse dado o devido valor à sua consorte, Deus não a teria tirado de suas entranhas. — Elizabeth o reprovou.

— Isso não significa que eu não a amava! Decerto, posso não ter sido fiel a ela, mas a amava e jamais, em nenhum momento, deixei de agradá-la e acolhê-la em meus braços.

— Peço-lhe com gentileza que deixemos de falar de Charlotte. Não quero que fique pensando em coisas que tragam tristeza, meu filho. — com um guardanapo limpou a boca.

— Tudo bem! Devo me intrometer e perguntar onde estão as suas damas, minha mãe? — a curiosidade corria nas veias de Louis, talvez quisesse tomar uma delas essa noite.

— Estou usufruindo somente de Lady Izabel, Majestade. Tivemos certos problemas com algumas jovens da corte e tão somente foram expulsas pelo seu Chanceler, John Artois. Devo dizer-lhe que não gosto do mesmo, contudo por ser vosso braço direito quem sou eu para julgá-lo? Desde então espero que vossa majestade escolha-as para mim. Confio no seu bom gosto, meu filho.

— Ora mamãe! Ficou quase um mês sem suas damas por conta de uma boba desconfiança? Lorde Artois é um ótimo Chanceler, está sempre cuidando dos assuntos do Estado, devias depositar um pouco de confiança no homem. — Elizabeth deu de ombros e sorriu.

— Quem sabe um dia. Então, escolherá minhas damas? — arqueou as sobrancelhas a espera de uma resposta. Ela queria que Louis voltasse a ativa, tivesse esperanças, ainda que somente se divertindo, escolhendo belas damas que até mesmo ela sabia o que fariam pela noite.

— Tudo bem, darei um jeito. Contudo quero algo em troca... Porque não deixas de ser boba, e sede tão somente minha mãe dando-me um beijo, hãm? — Elizabeth lhe sorriu e caminhou até a cadeira de seu filho osculando sua face.

Louis terminou seu desjejum na companhia de sua mãe. Conversaram sobre demasiados assuntos, desde as tão audaciosas badalações até problemas de real importância para o Estado. Ao terminar, mesmo estando um pouco indisposto decidiu se atualizar nos negócios chamando seu chanceler John Artois, e seu amigo, Pierre Thouars, Duque de Lisieux, em sua sala. O local era pequeno, Louis usava-o somente para pequenas reuniões sem importância, ou para jogar trunfo-francês com o amigo.

Pierre e John não demoraram em estar na presença do Rei. Thouars se encontrava divertido, sorrindo como sempre. Era alto e de um corpo bem definido, chegava a ser até mais bonito que Louis, não que o Rei fosse feio, muito pelo contrário. Seu cabelo castanho possuía um corte baixo, e os olhos azuis brilhavam de alegria ao ver seu amigo de volta. Para ele, o mês havia sido um dos mais tristes, tanto pela morte de Charlotte, quanto pelo desprezo do Rei para com todos. Artois era mais baixo que Pierre, e distorcido de beleza. Estava a todo o momento tentando agradar Louis, não que isso fosse ruim, mas muitos desconfiavam de tamanha atenção. Sua face angelical retirava qualquer boato malicioso sobre o mesmo, seu cabelo permanecia sempre lambido para o lado. Diferente do Duque, o Chanceler estava sério, demonstrando preocupação.

— Vossa Majestade! — proferiram em uníssono curvando-se em reverência.

— Suas graças! — Louis cumprimentou-os. — Como souberam, tive que me ausentar por uns tempos, mas agora estou de volta. O que há de novo?

— Vossa Majestade. Creio eu que não precisas se preocupar com isto. Digo, está tudo tão recente... — John começou, mas logo foi interrompido pelo rei.

— É o que menos importa, caro Artois. Almejo saber sobre o meu reino. — aumentou o tom de voz dando ênfase no "meu".

— Sim, Vossa Majestade! — de cabeça baixa depositou sobre a grande mesa de madeira uma pasta com vários pergaminhos. — Bom, deixe-me ver... O Conde de Merghaun vos convidou para seu casamento. E profere que é com grande alegria que desposará sua tão estimada prima, Desirée.

— Desirée! Quem diria. — Pierre se pronunciou pela primeira vez desde que chegara àquela sala. Seu comentário retirou gargalhadas do rei.

— Ora, Pierre! Alguém havia de desposar a pobre coitada. Lembro-me como ontem das prendas de amor que com ela tu trocaste sob sua janela na calada da noite. Versos fingidos para possuir somente tão belas curvas.

— Não tão belas assim, faça-me o favor. — Pierre torceu o nariz retirando mais uma risada de Louis. O mesmo pediu que Artois prosseguisse.

— O Embaixador francês foi enviado à Suécia para discutir o acordo que restabelecerá a honra do vosso país. Dito isto, recordo-me que oscilei na demora em mandá-lo, permitindo então que o Rei da Holanda enviasse o Embaixador holandês primeiro. Receio que estejamos em desvantagem, vossa Majestade. Perdoe-me.

— Devíeis ser mais prudente, Artois. Contudo não lhe mandarei à forca por isso, levante tua cabeça, homem! Arent sempre tentará surrupiar a glória francesa. Isso, realmente é o que menos importa ultimamente. Entretanto, prossiga, creio que isso não é tudo. — John encarou Pierre por alguns segundos deixando o duque sério no mesmo instante. Era como se escondessem algo. — O que aconteceu?

— Vossa Majestade, devo-lhe dizer que tudo já está sob controle. No entanto tivemos alguns incidentes esse mês. Antes de enviarmos vosso embaixador, a Suécia já havia assinado um meio acordo com a Holanda. No altear dos morros, alguns de nossos homens avistaram um navio com a bandeira sueca vindo em nossa direção, contudo, desviou o caminho após colocarmos nossa guarda a frente.

— Como não me deixaram a mercê dessa insolência? Podia eu estar no leito de morte, ou dentro de uma cova que adoraria saber quem e porque estão atacando o meu país. — Levantou o tom de voz para os dois. — Em qualquer circunstância grave como esta vós podíeis me comunicar imediatamente. Ou simplesmente deixariam acabar com todo o Reino?

— Perdoe-nos, vossa Majestade. — Artois inclinou a cabeça, sua mão transpirava de puro temor.

— Perdoar-vos-ei, desde que não cometam tamanha tolice novamente. Sinto que já ouvi demais por hoje. Ah! Minha mãe almeja que eu escolha suas damas de companhia. Procure as melhores famílias de Versalhes, digo, não os nobres, títulos só empobrecem a Corte, e anuncie que desta vez eu farei a triagem. No entanto, tendes certeza que escolheu as famílias que possuem as filhas mais belas. Minha mãe merece Damas à altura. Agora pode se retirar, menos Pierre. — John inclinou-se em reverência e se retirou do cômodo. Ao fechar a porta, pode-se ouvir apenas o gargalhar de Pierre.

— Perdoe-me, mas estava com saudade de meu velho e bom amigo. Regozijo-me em saber que teremos novas companheiras no Palácio. — aproximou-se do rei dando-lhe um abraço, que foi recebido de bom grado.

— Ora, e porque sorríeis dessa maneira? O sermão não foi dado apenas para lorde Artois, caro amigo. Esse homem por demasiadas vezes executa seu papel à maravilha. Agora, tuas funções são tão simples, medíocres e pouco executáveis que poderiam levar-lhe à forca. — Pierre engoliu em seco — No entanto, se fosses esquartejado, quem jogaria trunfo comigo? — Louis sorriu após o discurso.

— Sabes que não sois somente eu quem não tendes afinidade para com Artois. Não importa o quanto eficiente ele seja sempre será sujo, por nome, envaidecido por dinheiro. Temo que Vossa majestade esteja confiando em cobra faminta, lhe dará o bote quando menos esperar, contudo, antes que eu vá realmente para a forca por vomitar tudo que tenho guardado na garganta, calar-me-ei.

— Talvez merecesse apenas um voto de confiança, porém, não vamos ficar falando sobre John. O que achas de uma velha e boa partida de trunfo? — arqueou seu par de sobrancelhas em meio a um sorriso.

— Excelente! — aceitou em alto e bom tom de animação.

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L'ÉPOQUE - O Relógio do Tempo (CONCLUÍDA)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora