Capítulo 23

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Z A Y N.

Estava frio. A luz do luar passava entre os galhos das árvores robustas que me cercavam. Meu corpo tremia em contato com o vento gelado e minhas feridas queimavam por baixo do sangue seco que as cobriam. O ar quente saia de minha boca como fumaça e, enquanto tentava desesperadamente acender uma fogueira, sentia a ponta dos meus dedos ficarem dormentes. Já fazia mais de três dias que estava ali, apenas esperando o momento em que acharia meu pai, se é que eu sobreviveria  a tempo de acha-lo. As lágrimas mornas que escorriam pelo meu rosto rapidamente tornavam-se frias e eu as secava com as costas das minhas mãos. Naquele momento, assim como a maior parte do tempo, queria poder ser outra pessoa e estar bem longe daqui, ter uma vida normal, se o normal realmente existisse, ou tudo isso seria o normal e no final das contas as histórias da minha mãe não passavam de mentiras esperançosas? A vida não poderia ser como a minha, não seria justo nascer para isso, tinha que ter algo bom, ou meu propósito seria sofrer nas sombras das expectativas obscuras de um pai que constantemente me faz sangrar?

"Você está fazendo errado." A voz de um menino soa a alguns metros de distância, fazendo-me pular de susto e encarar a figura magra de cabelos longos que saia dos arbustos.

"Não estou não!" Respondo e volto para minhas desesperadas tentativas de conseguir uma fonte de calor.

"Deixe-me te ajudar." Ele diz se aproximando. Era o filho do dono do Sinful Dolls. Nunca tínhamos nos visto antes. Me afasto dele com rapidez e seguro firme em minha faca de caça, apontando-a em sua direção. O garoto mais novo olha para mim, ri e revira os olhos, em seguida, abaixa até o esqueleto da minha fogueira e sem dificuldades acende o fogo. Sem me perguntar se poderia ficar, observo-o se sentar e puxar de seus ombros dois coelhos abatidos que estavam amarrados em uma corda improvisada com folhas. "Você pode ficar  parado aí e me observar comer, ou pode vir me ajudar a limpar e jantar comigo." Ele fala em alto e bom som enquanto finca sua faca na barriga do animal.

"A fogueira é minha, não deixei que ficasse." Falo, chamando sua atenção para mim. O mesmo da de ombros, se levanta e apaga as chamas que aqueciam o local.

"Então acenda seu próprio fogo." Ele diz e se prepara para ir embora. O frio volta a me cercar e vejo o garoto ir em direção ao escuro novamente. Não queria ficar sozinho, estava cansado demais para sobreviver naquela floresta.

"Se meu pai souber que você me ajudou, ele vai me castigar." Digo e ele sorri, sem pensar duas vezes volta a ocupar o lugar que estava e o fogo volta a iluminar.

"Ele não saberá." O menino diz e estende um dos coelhos em minha direção. Eu me aproximo e pego o animal sem vida de suas mãos e me sento ao seu lado. "A propósito, me chamo Harry." Ele se apresenta, abrindo outro sorriso.

Abro os olhos e encaro a escuridão à minha volta, o silêncio é ensurdecedor e martela em minha cabeça, deixando que meus tormentos ganhem liberdade para me assombrar. Um longo suspiro pesado escapa de meus lábios e eu me levanto, encarando, sacada a fora, as árvores se debaterem contra o vento. Visto meu sobretudo, calço meus sapatos e saio do quarto evitando fazer barulho para não despertar a garota que descansava em minha cama. Meu corpo segue em modo automático para o jardim morto nos fundos da casa e meus olhos se prendem as minhas rosas, conforme me aproximo percebo o quanto elas estão murchando, algumas estão secando e se desmancham com o contato do vento sobre elas. Eu as analiso e toco suas pétalas quase mortas e uma tristeza profunda toma conta do meu corpo, deixando-me pesado. Olho à minha volta, vendo os túmulos destruídos das minhas vítimas, sendo consumido pelo peso de meus atos. Como a vida poderia estar me devolvendo uma família quando sou responsável por destruir tantas outras? Seria uma piada de mau gosto? O que realmente espera por mim no futuro próximo? Se existe mesmo um Deus, ele não permitirá que tal benção caia sobre mim, algo muito ruim me espera e sei que, seja lá o for, vai me destruir. Sinto a pétala sob meus dedos se soltar da flor e cair no chão e eu a encaro por longos minutos e sem esboçar qualquer emoção, me dirijo até os túmulos de minha família, sento-me no banco de frente para eles e acendo um cigarro, enchendo meus pulmões de fumaça. Pela primeira vez, agora que sei a verdade, desejo que a minha versão dos fatos fosse a correta, que Zenon fosse o culpado e não Isaac.  Saber que minha mãe concordou com os planos do meu pai me causa uma estranha, porém familiar, sensação de angústia, dor e desgosto, o que deixa a saliva amarga em minha boca. Curvo-me pra frente e apoio meus cotovelos nos joelhos, encarando fixamente o túmulo da minha mãe. Sinto um peso em meu peito e não me dou conta das lágrimas grosseiras que descem pelo meu rosto. O que a levou a concordar com ele? O que a fez pensar que seria melhor Zenon me matar? O que é necessário para uma mãe chegar a esse ponto? Acho que nunca saberei.
Minhas mãos tremem e as passo nos cabelos úmidos pelo sereno antes de levar o cigarro de volta aos lábios. Busco em minhas lembranças coisas que eu poderia ter feito para que ela não me quisesse vivo, mas não encontro, sempre estive ao seu lado, fui torturado em seu lugar inúmeras vezes, me entreguei às crueldades de Zenon por ela. Eu a amava, não conhecia de fato o amor, mas eu a amava com o pouco que me ensinou sobre tal sentimento, lutava por ela e mataria Zenon para liberta-la, então o que a fez concordar com a minha morte? Será que ela já via a maldade que existe em mim? E para não me ver como meu pai preferiu tomar tal atitude? Ou seus sentimentos por mim eram insignificantes o suficiente para não se importar? Acho que nunca saberei. Mas no fundo, não a odeio, não consigo. No entanto, não odiá-la não me impede de sentir raiva dela e de suas estupidas escolhas. 

Baby Girl 2: DESTROYEDOnde as histórias ganham vida. Descobre agora