XIV - Retinta

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Era a primeira vez que eu saia da tenda onde Cléo me mantinha sobre vigia

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Era a primeira vez que eu saia da tenda onde Cléo me mantinha sobre vigia. A primeira vez que eu podia realmente ver o lugar onde eu estava. A tenda parecia menor do lado de fora, do que todos aqueles dias que passei em seu interior. Era marrom, com plantas e ramos crescendo em alguns pontos aleatórios ao longo da superfície. Haviam outras tendas, a maioria ainda menor, e feitas de matérias que lembravam palha ou bambu, restos de tijolos e até mesmo pedaços de metal.

-Vocês moram aqui? – perguntei para Kambami, em quem eu me segurava com uma mão enquanto tentava encontrar o equilíbrio da nova bengala com a outra.

Ele balançou a cabeça, negando. Não disse mais nada, enquanto o labirinto de pequenas cabanas seguia até um amontoado de arvores. Ele fez sinal com a cabeça, me soltando devagar e puxando alguns galhos para que eu pudesse passar. Os galhos se fecharam logo atrás de mim, como um portão.

Eu não tinha como voltar, então me restava seguir em frente, com as sandálias deslizando na terra, empoeirando meu pés, e a falta de habilidades com a bengala, segui o caminho que as arvores guiavam até uma clareira pequena. Um rio corria ali. Não, algo ainda menos do que um rio, pequeno como um tecido estendido ao longo do chão. Haviam flores e plantas em suas margens. Pedras grandes e planas estavam organizadas em meia lua, em direção a água, e no centro entre os dois, nos indícios de uma velha fogueira apagada e repleta de cinzas descansava um pássaro cinza. Ou talvez, ele já tivesse sido branco, antes de se aventurar pela fuligem.

Abba estava de costas para mim, observando o rio, a floresta atrás dele, ou apenas pensando. Minha chegada barulhenta foi o bastante para que ela se virasse, e naquele instante eu me senti diante a uma rainha. Não que ela lembrasse alguma rainha que eu tivesse conhecido – a única rainha que eu lembrava de conhecer, era a Rainha Lenna, e ela não podia ser mais diferente do que Abba no momento em que nos conhecemos.

A mulher em minha frente não estava em um trono em uma sala luxuosa, não usava uma coroa, ou tinha dezenas de pessoas requisitando a atenção dela todo momento. Mas ela tinha seu próprio cetro – uma lança, apoiada no chão muito mais graciosamente do que minha bengala. Ela tinha os olhos de uma rainha, olhos que perdoam e que condenam. Os cabelos eram brilhantes, cachos volumosos em torno do rosto caindo até a altura do quadril. O vestido, amarrado atrás do pescoço, não parecia nobre ou especial – tecido verde desbotado, com estampas desbotadas que haviam perdido sua forma a muito tempo. Partes costuradas uma as outras que terminavam em seus tornozelos. Os pés tinham sandálias iguais as minhas, com uma tira para prender logo acima dos dedos, e outra em volta do tornozelo.

Sem joias, sem maquiagens, sem saltos.

Mas ainda sim, uma espécie nova de rainha.

-Sinto muito não poder oferecer um lugar para se sentar – ela falou, apertando muito de leve os lábios. Imaginei que estivesse percebendo que deveria ter pensado naquilo, mas não falei nada – Ainda sim, este é o melhor lugar para conversarmos sem sermos incomodados.

O Que o Espelho Diz - A Rainha da Beleza Livro II [NÃO REVISADO]Where stories live. Discover now