Capítulo 8

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Hoje é dia de música na praça principal da vila, com muita dança, risadas e, é claro, canções tocadas pelos músicos da metrópole, que vêm a Liriel uma vez por mês. Estou disposta a convencer Kieran a ir comigo e tenho certeza de que ele vai adorar. É impossível não gostar de música.

Assim que terminamos o café da manhã e madame Daisy se retira da mesa para dar ordens às criadas na cozinha, apoio meus cotovelos sobre a mesa e encaro meu pai e meu noivo. Ambos conversaram o tempo todo sobre o negócio de artigos de inverno que família de Kieran pretende abrir na cidade, mas agora estão calmos e calados. Aproveito a oportunidade.

– Papai, lembra-se de que dia é hoje? – indago, arqueando as sobrancelhas.

Ele junta as mãos sobre a mesa.

– Não tenho ideia – revira os olhos e ri. – Refresque minha memória, por favor, querida.

Suspiro dramaticamente.

– Hoje é dia de música na praça, esqueceu?

– Como poderia? - Ele cutuca Kieran com o cotovelo. – Você não para de falar a respeito disso desde seu mais recente aniversário.

Sorrio e encaro Kieran, que parece desconcertado. Alcanço sua mão por cima da mesa e toco seus dedos quentes com os meus. Ele me olha com doçura.

– Eu gostaria que você fosse comigo – digo, piscando os olhos três vezes. – Será adorável. Haverá música e dança e todos os meus amigos estarão lá. Reidi e Vega com certeza estão loucas para te conhecer.

– Parece mesmo adorável, Anna...

– E podemos passear pela vila e ver as estrelas da colina do leste!

– Eu gostaria muito de acompanhar você a todos os lugares – ele junta as sobrancelhas, chateado. – Mas... há assuntos urgentes que requerem minha presença hoje. Preciso cuidar dos últimos detalhes do novo negócio dos meus pais e resolver assuntos importantes de Trollstone.

Tiro minha mão de cima da dele e a pouso no colo. Sinto-me estranhamente pequena. É compreensível que Kieran esteja ocupado – até mesmo esperado -, mas tinha que ser hoje?

– Ah.

É tudo o que consigo dizer.

– Sinto muito – ele também tira sua mão de cima da mesa. – Realmente sinto.

– Surgirão outras ocasiões para passeios ao pôr do sol, querida – diz papai, tocando meu ombro levemente. – Deve ser compreensiva.

Mordo o lábio e então me esforço para sorrir. Nada de ser mimada. Papai está certo.

– Eu compreendo – olho para Kieran.

Ele me dá um sorriso de desculpas e dá uma rápida olhada em seu relógio dourado de bolso no casaco. Então suspira.

– Talvez possamos dar uma volta pelo jardim, Anna – propõe. – Hoje não nevou tanto quanto ontem.

Concordo e ambos deixamos papai à mesa. Estou usando um vestido pérola de veludo e mangas compridas, presente de aniversário de madame Daisy, por isso não preciso de casacos e luvas hoje. Kieran também está bem protegido em seu caso marrom e suas botas de inverno, e quando ele me dá o braço e eu me aproximo de seu corpo, sinto-me ainda mais aquecida.

– Você foi sincera comigo hoje mais cedo – ele diz de repente, assim que pisamos na neve sobre a grama. – Contou-me sobre seu pesadelo.

– Sim.

Seus olhos buscam os meus.

– Então eu também devo ser sincero com você.

Paramos de andar e eu sorrio para ele.

– Mais do que tem sido? Kieran, você é a pessoa mais sincera que conheço. – Franzo a testa. – Bem, talvez madame Daisy seja.

Ele ri.

– Gosto da sua risada – digo, puxando-o para continuarmos a andar.

Ele para novamente e me vira de frente para ele.

– Eu também sonhei com você, Anna. Mais de uma vez.

Arregalo meus olhos e depois os crispo.

– Co-comigo? Mais de uma...? – gaguejo. – Mas nós nos conhecemos ontem.

– Você me conheceu ontem – ele ri, convencido. – Já eu sabia coisas a seu respeito há algum tempo.

Fico confusa. Abro a boca, fecho, abro outra vez e fecho novamente. Kieran dá risada.

– Como? – pergunto, finalmente.

Ele respira fundo e expira, como se se preparasse para uma longa história.

– Seu pai enviou alguns retratos seus à minha mãe quando as especulações sobre nosso casamento começaram. Ela estava morrendo de curiosidade em saber como você era e guardava os retratos consigo. Não deixava nem mesmo meu pai vê-los. Uma das criadas descobriu onde minha mãe os escondia e eu implorei para que ela me dissesse...

– E ela disse?

Ele assente.

– Sim, disse. Eu os encontrei junto com uma carta de seu pai descrevendo a sua personalidade em algumas poucas linhas. – Kieran suspira e me olha, envergonhado. – Eu... peguei um dos retratos e a carta e os mantive comigo por um tempo. Eu a relia todas as noites, esperando que de repente algo novo a seu respeito aparecesse, algo que não li nas primeiras vezes. Logo a carta e o retrato tornaram-se insuficientes. Fiquei ainda mais curioso para conhecer você.

Arqueio as sobrancelhas.

– O que dizia na carta?

Kieran sorri torto.

– Anna é minha filha única. É uma jovem bela, inteligente e, para alguns, muito atrevida. Ela é extraordinariamente parecida com a mãe, o que me faz amá-la ainda mais. É generosa, compreensiva e corajosa, embora seja também impaciente e um tanto impulsiva. Posso afirmar, sem sombra de dúvidas, que ela fará seu filho o homem mais feliz do mundo.

Cubro a boca com uma das mãos. Não sei se rio ou se choro.

– Vo-você... – sibilo. – Kieran, você memorizou a carta?

– Eu não disse que li inúmeras vezes?

– Ma-mas... – gaguejo. – Não sei nem o que dizer...

Ele ri.

– Não precisa dizer nada. Achei que era o momento adequado para contar a você, já que você foi verdadeira comigo – ele dá de ombros, despreocupado. Há um leve rubor em seu rosto, o que me faz imaginar o quanto deve ter sido vergonhoso para ele admitir que decorou a carta de papai e minhas feições no retrato. Eu ficaria envergonhada.

Crispo os lábios. As palavras não vêm. Mas sei o que quero dizer.

– Kieran, como... como foi o sonho que teve comigo? – indago baixinho.

Agora suas bochechas realmente ficam vermelhas.

– E-eu... Hum... – ele pigarreia. – Bem, não foi nada... assustador. Não foi como o seu.

Sorrio, contente. Ele não me acha uma maluca.

– Então foi um sonho bom?

– Sim, sim – Kieran responde rapidamente, todo sem jeito. – Quer dizer, eu... nós...

Rio alto. Não preciso que ele me conte seu sonho. Só de saber que Kieran sonha coisas boas comigo já vale meu dia.

– Tudo bem – digo. – Não precisa contar.

Ele mexe no cabelo, acanhado.

– Contarei um dia desses. Assim que recobrar minha dignidade – ele ri, sacudindo a cabeça. Depois olha para mim. - Prometo.

Quando Kieran vai embora, sinto um estranho vazio, como se alguém estivesse faltando em casa. E logo fico realmente só: papai decide ir à prefeitura para uma reunião e madame Daisy vai ao mercado central com uma das criadas. Reidi e Vega sem dúvida estão ocupadas com os preparativos para a noite de música. Não me resta nada a fazer a não ser pedir à uma criada que prepare um bom chocolate quente e passar o restante do dia diante da lareira com lady Lana.



Amor e Liberdade #1Where stories live. Discover now