Capítulo 43

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     Eu me arrasto pela neve o máximo que minhas pernas bambas me permitem, querendo aumentar a distância entre mim e a rainha Vytoria tanto quanto possível. O que acabou de acontecer é pavoroso. Não posso nem mesmo colocar em palavras o que ver a vida se esvair dos olhos de Klaus faz comigo. É a primeira vez que vejo alguém morrer bem diante de mim e não creio que possa continuar sendo a mesma pessoa daqui para frente.

     Sei que Klaus tinha defeitos e que motivos para querê-lo fora da minha vista é o que não me faltam. Mas ele era uma pessoa perturbada. Era só um ser humano com problemas que se associou às pessoas erradas e tomou as decisões erradas. Que direito Vytoria tem de matá-lo tão friamente?

     - Seus pensamentos estão estampados em seu rosto, Majestade - a voz dela soa calma e aveludada. - Não fiz isso por você.

     Estremeço e tento me firmar de pé. Minha saia está toda manchada de sangue, o que me dá vertigem.

     - Por... por que você o matou...?

     Vytoria suspira.

     - O propósito dele chegou ao fim.

     - E quem... quem é você para decidir isso? - replico, me abraçando.

     - A vida do filho bastardo de Coronte me pertencia desde que o irmão dele o exilou. 

     - Mas...

     - Não questione o que não sabe - os olhos dela faíscam. Ela faz um sinal com uma das mãos e os servos que ficaram na carruagem se aproximam de nós apressadamente. - Esta mulher é a rainha de Avival e Coronte - diz, olhando-me nos olhos. - Levem-na de volta à sua terra.

     - Sim, Vossa Graça! - eles fazem reverências exageradas.

     Um tanto torpe e ainda chocada, retorno à carruagem. A rainha feiticeira não diz mais nada e eu nem sequer olho em sua direção antes do veículo partir. Não quero vê-la outra vez, pois sei que me trará más lembranças. Sinto que, embora tenha sido em nome da paz entre os reinos e para salvar vidas, aliança que estabelecemos ainda trará muitos problemas - principalmente no que diz respeito a mim e à minha família.

     Não há diálogo algum entre mim e os servos de Vytoria até chegarmos a uma estrada que reconheço. Peço que parem e desço da carruagem, sentindo minhas mãos tremerem e minha pele se arrepiar.

     Foi aqui.

     Aqui meu mundo desabou e eu tomei a identidade de outra pessoa. Foi aqui que eu pensei ter perdido Kieran para sempre.

     - Há algo errado, Majestade? - o cocheiro pergunta, intrigado.

     Olho para o local onde bem me lembro de ter visto as cinzas dos homens mortos.

     - Não - respondo por fim. - Está tudo certo.

     - Devemos prosseguir, Majestade - um servo diz. - Vossa Graça está sem escolta e logo vai escurecer, pode ser perigoso.

     - De fato - concordo.

     Ergo minha saia manchada e dou meia volta para entrar na carruagem. Subitamente, ouço o relinchar de um cavalo e sons rápidos de galope. Perigo. Começo a correr, mas meus sapatos afundam na neve e eu caio de cabeça no gelo. O servo da rainha vem ao meu encontro e tenta me ajudar a levantar, mas é surpreendido por uma pancada na cabeça dada pelo cavaleiro que acaba de chegar e cai desmaiado. Eu grito por socorro e me arrasto desesperadamente pela neve, querendo fugir o mais rápido possível. Porém, sou pega sem dificuldades e colocada na sela do cavalo por braços muito ágeis.

Amor e Liberdade #1Where stories live. Discover now