Capítulo 17

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     Reviro-me em minha cama, sem conseguir tirar a imagem do caixão de papai sendo coberto por montes de terra misturada com neve e da última flor que joguei antes que cobrissem sua cova. Ele foi enterrado ao lado de minha mãe Gerda e a visão das duas lápides me causou pesadelos a noite toda. Neles, eu corria pelo cemitério enquanto um sentimento sufocante e pesado de solidão tomava conta de mim, sem me permitir respirar ou pensar direito - e eu não conseguia escapar dele.

     Estou sozinha.

     Não no sentido literal da palavra, mas me sinto sozinha. Sei que tenho madame Daisy, Kai, Noreen e Trudy e sei que eles fariam de tudo para cuidar de mim. Mas não são minha família.

     É por isso que decidi ir embora com Kieran para Trollstone amanhã bem cedo. Decidi não adiar o inadiável e mudar-me logo para o lugar onde minha futura nova família vive, mesmo que isso não seja realmente o que eu quero agora. Meu coração deseja permanecer em Liriel, descobrir mais sobre a morte de meu pai e passar pelos dias de luto em paz, mas minha mente sabe que é mais sábio ir embora. Como o próprio Kieran disse, eu posso estar correndo perigo - se é que meu pai foi vítima de um assassinato.

     Sinto cócegas nos pés e ouço minha gata ronronar, rolando nos lençóis da cama. Suspiro e espreguiço-me. Mesmo com as cortinas fechadas, sei que já amanheceu e que eu devo me levantar logo e terminar de preparar minhas malas.

     - Ficará bem sem mim, lady Lana? - sussurro para a gata sonolenta e ela olha para mim.

     Tomo-a nos braços e acaricio seu pelo sedoso. Ela ronrona.

     - Sei que você adoraria ver o mundo fora de Liriel, mas pode ser perigoso para uma gata da nobreza. Além disso, não temos certeza se o leite de Trollstone é tão bom quanto o nosso, não é?

     Como se me compreendesse, Lana mia e se espreguiça em meus braços. Eu a levaria comigo, se a viagem não fosse tão longa e exaustiva. Aposto que qualquer gato ficaria insuportável viajando durante cinco dias dentro de uma carruagem. Talvez até eu ficasse.

     Após o enterro de meu pai ontem, eu observei Kieran por vários minutos, tentando fazer meu coração voltar a esquentar da maneira que esquentava quando o conheci. Funcionou por um momento, quando nossos olhos se encontraram, mas temo que esse momento não tenha sido longo o suficiente para me convencer que gosto mesmo dele. Quer dizer... não é como se eu não gostasse de Kieran - ele é bonito, gentil e eu me sinto bem ao seu lado. Mas é como se faltasse algo em nós. Algo que eu não sei o que é, mas que me incomoda.

     - Bom dia, senhorita - ouço a voz de Trudy do outro lado da porta.

     Sento-me na cama, espreguiçando-me.

     - Entre, por favor - digo.

     Ela abre a porta e entra devagar, trazendo consigo uma bandeja de café da manhã muito cheirosa. Papai fez o mesmo para mim em meu último aniversário.

     - Noreen preparou um bolo delicioso para a senhorita - Trudy sorri e deposita a bandeja em meu colo.

     Eu forço um sorriso fraco.

     - Obrigada.

     Trudy cruza as mãos diante do corpo e olha diretamente para mim.

     - Soube que a senhorita vai mesmo embora.

     Bebo um gole de suco devagar. E assinto.

     Trudy baixa os olhos, meio pálida.

     - É mesmo uma pena.

Amor e Liberdade #1Where stories live. Discover now