2: Banana-maçã

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Sempre detestei a expressão "acordar com a macaca", mas naquela catastrófica manhã de segunda-feira tingida de azul enferrujado com nuvens flutuando ao avesso em torno do meu crânio desbotado, foi exatamente o que aconteceu

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Sempre detestei a expressão "acordar com a macaca", mas naquela catastrófica manhã de segunda-feira tingida de azul enferrujado com nuvens flutuando ao avesso em torno do meu crânio desbotado, foi exatamente o que aconteceu.

Eu sei, é uma frase estranha de se falar, mas não acho que exista algo mais interessante para me referir a despertar tão estressada que se tivesse um balde de água do tamanho do universo, apagaria o sol, só para instalar a calamidade no mundo e, quem sabe, me distrair da coletânea de vaga-lumes que traçavam arabescos bioluminescentes por entre meus neurônios, espetando os miolos com suas patas afiadas feito pinças.

Não me leve a mal, há dias que a gente acorda como se tivéssemos sido atropelados por cinco caminhões, caído de um prédio de trocentos andares e, depois, recebido cocô de pombo na cabeça.

Meio esquisito, talvez. É o que o Bolota, meu coelho tão gordo que mais se parecia um filhote de porco, também estava achando.

Quer dizer, ele devia achar. Era a única explicação para estar me encarando com os olhos cor de sangue esbugalhados sob as orelhas trêmulas enquanto eu terminava mais um dos meus monólogos existenciais em frente à sua gaiola, oscilando entre encher as bochechas de ração e prestar atenção no que eu estava dizendo.

Era triste como finais de semana incríveis davam lugar a segundas-feiras exageradamente estranhas, principalmente se você passou as últimas noites dormindo cerca de três horas em cada uma e sobrevivendo os dias à base de café até a borda em xícaras gigantes com desenhos descascando.

- Bolota, me escuta! - exclamei, como se o mamífero em questão fosse responder um “Estou ouvindo, vossa alteza coelhal, pode prosseguir”.

Entretanto, o bicho permaneceu me encarando como se ele fosse uma divindade que tropeçou no Olimpo e despencou para a Terra, e eu, uma mera súdita que adoraria mandar decepar a cabeça.

Acho que o Bolota não gostava muito de mim.

- Esse coelho vai ter um infarto qualquer dia desses. - O timbre preencheu meus ouvidos como as trombetas do inferno anunciando o apocalipse, e meus olhos rolaram em um gesto automático.

- Cala a boca. Eu sei como cuidar de um coelho. - respondi, virando-me para contemplar o dono da voz.

Paulo estava escorado na soleira da porta, os fones parcialmente cobertos pelos seus cachos de concha plugados no celular que segurava com a mão apoiada na parede. Suas íris imensas de coruja eram universos enegrecidos pulsando com o furor de bilhões de estrelas e anãs-brancas em supernova, e alguns pontinhos minúsculos que irrompiam da pele escura do queixo anunciavam a puberdade que atingia meu meio irmão em seu golpe quase fatal.

Ele só não era meu irmão por completo porque a nossa família por parte de mãe tinha um azar medonho para o amor, como se fôssemos trevos de quatro folhas gigantes ao inverso ou sei-lá-o-que. E, quando digo isso, abro espaço para você imaginar todo tipo de tragédia envolvendo relacionamentos e seu triste fim.

Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Estou Fazendo AquiDonde viven las historias. Descúbrelo ahora