40: Guarda-chuva de Chocolate

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Os dias seguintes se transcorreram rapidamente, escorrendo por entre meus dedos feito areia da praia sem que ao menos notasse

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Os dias seguintes se transcorreram rapidamente, escorrendo por entre meus dedos feito areia da praia sem que ao menos notasse.

Jader começou a melhorar; não somente por causa do remédio que passou a tomar, até porque os seus efeitos se faziam mais notáveis a longo prazo, mas principalmente pelo esforço pessoal do ruivo em ter começado a fazer exercícios e estar tentando criar hábitos mais saudáveis de modo geral, por entender que a medicação não faz nenhum tipo de milagre sozinha.

Eu o ajudava como podia. Ligava no horário do remédio para gritar em seu ouvido que o tomasse, mesmo que ele não tivesse esquecido e parecesse realmente disposto a engolir o comprimido todos os dias. Fazíamos caminhadas juntos pelas tardes, e, por vezes, andávamos de skate também até anoitecer, horário em que aproveitávamos a diminuição do movimento da praça para nos deitarmos na tampa mais alta, onde ficávamos olhando as estrelas por minutos infinitos e devaneando sobre mundos além do nosso.

Nem sempre tudo estava bem, entretanto. Meu garoto, por vezes, sofria com a piora dos seus sintomas depressivos em decorrência dos primeiros dias da medicação, quando o corpo naturalmente está se acomodando a ela.

Na segunda-feira, por exemplo, ficara sonolento o dia inteiro, além de enjoado demais para comer e com muita dificuldade para pegar no sono, em uma insônia mais incisiva do que o habitual, que tendia a ir se dissolvendo com o passar do tempo.

Na quinta, os Oliveira me chamaram para tomar conta dos seus filhos depois do almoço, coisa que aceitei rapidamente. Não tinha percebido o tamanho do afeto que sentia por aquelas crianças até abrir a porta do seu apartamento, vislumbrar todos aqueles rostos sorridentes ao me verem e constatar a presença de um novelo de saudade amarrado no meu peito, de todas elas.

Talvez um pouco menos de Maria, a pré-adolescente que vivia tentando me desafiar. Mas são apenas detalhes.

Clarice chegou pouco mais de uma hora depois da saída dos Oliveira, porém, insistiu para que eu ficasse um pouco mais, porque precisava compartilhar com alguém o motivo da sua felicidade, que chegava a ser palpável na forma como sorria a cada dois segundos para qualquer coisa que acontecia com as crianças, até mesmo quando o Pedro quase tocou fogo novamente nele mesmo após roubar o seu isqueiro de acender cigarros.

— Consegui um emprego na cidade do meu pai. — disse, de costas para mim, enquanto puxava os fios do cabelo para cima, prendendo-os em um rabo de cavalo. — Lá tem a faculdade com o curso de cinema que eu sempre quis fazer, caralho! Ele disse que eu posso morar com ele por um tempo, enquanto concilio o emprego com os estudos.

— Sério? Que ótimo! — afirmei, um sorriso surgindo em meus lábios conforme oscilava a atenção entre ela e um Diego que esperava pouco paciente a entrega do seu sanduíche.

Terminei de passar a manteiga no pão e entreguei a ele, vendo-o correr para fora da cozinha depois de gritar um obrigado alegre demais.

Eu sentiria falta de Clarice. Apesar de termos passado pouco tempo juntas, seria eternamente grata à ela por ter me apresentado a sua forma de ver o mundo, seus conselhos, suas conversas e seu senso de humor. Ela era o tipo de pessoa cuja essência permanece no ar por onde quer que passe, carimbando-se às paredes dos corações das pessoas como uma lembrança que nunca será esquecida.

Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Estou Fazendo AquiWhere stories live. Discover now