30: A Ultra-incrível Pipoca Doce

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— Como você tá conseguindo comer isso?

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— Como você tá conseguindo comer isso?

A pergunta de Paulo precedeu a minha milésima colherada do cereal colorido que estava enfiado no fundo do armário há mais tempo do que conseguia lembrar.

Ele tinha um gosto característico de câncer e corante que a minha fome cavalar de início de manhã não me deixava perceber com exatidão; apenas mergulhei os flocos meio murchos em uma tigela de plástico, apoiei os quadris na bancada e comecei a devorar, distraída como estava desde a noite passada, quando minha concentração foi reduzida ao tamanho de um ovo de pombo.

Eu me lembrava mais vezes do que seria considerado normal da textura macia que me remetia às nuvens dos lábios de Jader, das cócegas elétricas que seu polegar espalhava no meu sistema sempre que escorregava até um ponto específico atrás da minha orelha, bem como dos sopros fora de compasso da sua respiração se entrelaçando à minha.

Chegava a ser terrivelmente vergonhoso, porque o resto, composto por coisas muito mais importantes que eu não poderia tirar da mente de jeito nenhum, pareceu ser jogado para baixo do tapete da consciência pelo meu cérebro vestindo avental e portando uma vassoura esquisita.

— É gostoso. — respondi ao meu irmão, depois de engolir, sacudindo os ombros.

Paulo abriu a geladeira e fisgou uma jarra de água, despejando seu conteúdo em um copo enquanto balançava a cabeça suavemente, no ritmo da música que o único lado do fone plugado no ouvido perpassava. Seu rosto estava repleto de marquinhas de travesseiro, e os fios de chocolate extravasavam em todas as direções feito um ninho de pardais cegos.

Os meus estavam na mesma situação logo que acordei, mas para privar o mundo de ver a cara de um projeto de leão tão cedo, tinha me adiantado em arrumá-los e os prendido em um rabo de cavalo meio frisado.

— Isso pode ser tudo, menos gostoso, Carmelita. É bizarro. — pontuou, depois de sorver sua água, o copo riscando o ar na direção da minha amada tigela. — Não entendo como tem gente que tem coragem de encarar isso.

Dei de ombros, enfiando mais uma colher na boca.

— Gosto é gosto. — falei, entre uma mastigada e outra.

Ele riu.

— Limpa a boca, nojenta. Tá escorrendo baba colorida.

Esfreguei os lábios com as costas da mão, resistindo ao impulso de dar risada.

Um estalo reverberou pela minha cabeça, lembrando-me que tinha andado tão imersa nos meus próprios problemas nos últimos dias que sequer me lembrara de perguntar sobre o andamento das coisas na vida de Paulo.

— Você não me falou como foi a reação da sua amiga quando recebeu seu presente. Nem como vai a relação de vocês, depois de... tudo que comentou comigo, sobre não poderem ficar juntos. — comentei, na expectativa de que me atualizasse do seu status com a referida pessoa.

Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Estou Fazendo AquiWhere stories live. Discover now