35: Cata-vento, o Gato

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Cata-vento espichou as orelhas sobre o teclado, escorregando a cauda preguiçosamente ao longo da madeira enquanto os olhos piscavam com ar de sono para o mundo, debaixo dos tímidos raios de ouro solar que se derramavam nos pelos negros do felino

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Cata-vento espichou as orelhas sobre o teclado, escorregando a cauda preguiçosamente ao longo da madeira enquanto os olhos piscavam com ar de sono para o mundo, debaixo dos tímidos raios de ouro solar que se derramavam nos pelos negros do felino.

Ele era um dentre os cinco gatos vadios que Mari possuía, por ter o coração florido demais para que não aguentasse ver qualquer bichano passando dificuldades na rua sem resistir ao impulso de fisgá-lo para sua casa.

O sol adentrava, sem permissão, pela fresta da fina cortina do quarto, incendiando não apenas Cata-vento, mas também o amontoado de revistas velhas que tínhamos capturado para fazer colagens espalhadas pelo chão.

Minha mochila porta-tralhas estava aos pés da cama, abarcando alguns instrumentos de sobrevivência para aquela tarde, como mais algumas revistas e a minha câmera, que não demorei para sacá-la, porque a cena de Cata-vento me pareceu poética demais em sua simplicidade para que eu não a capturasse com minhas lentes, escutando a risada de Mari diante das posições estranhas que eu fazia para detectar os melhores ângulos.

— Eu nunca entendi como você consegue entortar tanto a coluna, sem ela partir no meio tipo um biscoito da sorte. — Soou descontraída, enquanto caramelizava o próprio rosto com uma máscara de hidratação verde-vômito que ela mesma havia feito, em frente ao espelho em arco da sua penteadeira.

Sentei-me na cama e cruzei as pernas sobre o lençol, minhas digitais pressionando a superfície metálica da máquina conforme meus pés afundavam debaixo das pernas, quase escondendo as meias de cenoura que comprei em homenagem ao Bolota.

— Algumas pessoas pintam a Monalisa, outras escrevem poesia, e algumas sabem entortar a coluna como ninguém. É um dom. — brinquei.

— Acho que você daria uma ótima atriz pornô com essa flexibilidade toda. E olha que é sedentária. — Riu, divertida.

Torci o nariz em uma careta.

— Provavelmente, não. Não sei se conseguiria conter uma cara de desgosto quando um maluco enorme e desconhecido se esfregasse em mim cheio de suor.

Ela soprou um riso, girando no banco para me fitar em meio à camada da gosma esquisita que lhe cobria a face. Alguns fios dourados escaparam do coque no topo da sua cabeça, mergulhando naquele mar verde que seu rosto tinha virado.

— Só transei com um parcial desconhecido uma vez, e, meu Deus, foi coisa para nunca mais repetir. Ele perguntava se podia fazer tudo, tipo “Posso beijar seus peitos agora?”, como se eu fosse a mãe dele. — Deu risada. — Mas o pior foi quando ele perguntou “Posso entrar para dentro de você agora?”. Esse pleonasmo vicioso quase me fez ter um infarto. Acho que sou muito broxável. — Apertou os cílios, como quem pondera. — Essa palavra existe?

— O importante é passar a informação. — recitei, e nossa risada se mesclou.

— Sua vez de fazer a máscara!

Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Estou Fazendo AquiWhere stories live. Discover now