39: Nós Quase Impossíveis de Desatar

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Pedalei o mais rápido que minhas pernas conseguiram por entre as ruas da cidade rumo ao endereço específico, tentando não mergulhar em uma espiral de pensamentos que me arrastaria até o fundo do meu redemoinho mental

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Pedalei o mais rápido que minhas pernas conseguiram por entre as ruas da cidade rumo ao endereço específico, tentando não mergulhar em uma espiral de pensamentos que me arrastaria até o fundo do meu redemoinho mental.

O céu estava desbotado naquela tarde, com algumas nuvens esfumaçadas que corriam acima das ruas feito um rio cinzento, e os espaços tingidos de um azul fosco entre elas permitiram que o sol derramasse ínfimos raios pintados de amarelo pálido na minha pele durante todo o meu percurso feito em tempo recorde.

Depois que o portão da casa de Jader foi aberto por João, coloquei a bicicleta para dentro, apoiando-a em um ponto qualquer da parede, e virei-me para mirar o garoto de cachos cor de folha seca, que me fitava com as sobrancelhas apertadas em uma angústia notável.

— Ele está bem? — A pergunta fluiu pelos meus lábios, inundada de preocupação.

João balançou a cabeça devagar, em negativa, e se pôs a ir até a porta da frente, passando por ela. Acompanhei-o, e o garoto somente estacionou quando se acomodou no sofá. Com uma inquietude turbulenta espalhando nuvens de tempestade no meu peito, sentei-me ao seu lado, ansiando que me explicasse o que estava acontecendo.

— Ele é depressivo, Carmelita. Depressivo e ansioso para caralho. Provavelmente você já sabe disso. — Assenti, com pesar, e um suspiro lhe escapou antes que continuasse. — Ele tem remédio prescrito para isso, mas, por algum motivo, vai parando de tomar quando fica bem. Daí, toda a bagunça volta, as coisas ficam caóticas, ele tende a se isolar, a se machucar fazendo coisas que não fazem bem, como parar de comer... e isso me angustia demais. Porque ele... deixa de ser quem é. Esse cara divertido, que se empolga com coisas simples da vida, que pinta como ninguém. E isso às vezes dura por semanas, até ele perceber que não vai melhorar sozinho, deixar de teimosia e voltar a tomar a medicação. — As palavras transbordavam um mar inteiro de dor. — O Jader, ele... se acha meio invencível, entende? Acha que consegue suportar o peso inteiro do mundo sozinho, sem sobrecarregar ninguém. Mas, nesse processo, acaba sobrecarregando a si mesmo.

Sua fala me deixou sem saber o que dizer por vários segundos, enquanto tentava absorver tudo o que elas significavam em meio aos giros da minha cabeça.

Uma dor desconhecida começou a se infiltrar no meu coração, como se fios invisíveis apertassem o órgão na intenção de rasgá-lo em uma centena de pedaços inundados de aflição pelo meu garoto dos olhos caramelo. Fui atingida por uma vontade quase insuportável de tocá-lo, abraçá-lo, sentir a sua presença no mundo. Escorria por cada poro do meu corpo, ameaçando me dissolver de dentro para fora e submergir aquele cômodo em um oceano inteiro de sentimentos.

— Por que me ligou para falar tudo isso? — Minha pergunta saiu em um murmúrio fraco.

Ele suspirou novamente, e seu olhar caiu para o chão.

— Porque vejo nos seus olhos o quanto gosta dele, e sei o quanto ele gosta de você. Nas nossas conversas, ele cita seu nome tantas vezes que não dá nem para contar, com um sorriso bizarro para cacete no rosto que faz ele parecer um retardado. — Soprou um riso fraco, e eu o acompanhei. — A questão é que o Jader... nunca esteve em um relacionamento, e não sabe se comportar dentro de um em momentos como esse. Talvez, isso aconteça outras vezes. Talvez ele se isole sem mais nem menos, durma o dia inteiro e consequentemente não dê notícias, talvez fique calado sem motivo aparente, perdido em seu próprio mundo, e isso... não significa que tem algo de errado com você, entende?

Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Estou Fazendo AquiWhere stories live. Discover now