23: Fazer Bebês é Como Plantar Alface

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— Isso é entediante pra cacete

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— Isso é entediante pra cacete. — Jader declarou, mergulhando a cabeça no interior do tampo frontal aberto do Uno, uma das palmas empunhando uma ferramenta, enquanto a outra se apoiava na lataria do veículo. — Acho que nem se eu tivesse mil anos de vida, ia querer gastar uma mínima porcentagem deles assistindo uma pessoa consertar um carro.

Dei de ombros, balançando as pernas no ar sobre o amontoado de caixas ligeiramente empoeiradas da sua garagem, meus pés descalços batendo na superfície de papelão hora ou outra.

— Não é como se eu tivesse outra opção, Jader.

Ele inclinou a cabeça para me observar, erguendo as sobrancelhas em ceticismo. Seus cachos estavam uma desordem de fios escorrendo pela testa ligeiramente manchada de suor, o que me arrancou um riso.

Eu tinha outras alternativas além de ficar ali, obviamente, mas estava sendo  muito engraçado assisti-lo. Jader era terrivelmente expressivo, em especial quando estava frustrado ou puto com alguma coisa; duas emoções muito frequentes nos últimos minutos, enquanto tentava resolver o problema que tinha feito o carro não dar partida mais cedo, quando ia levar o irmão para a faculdade e, depois, seguir rumo ao colégio.

Foi o que nos fez andar quarenta minutos debaixo de um sol crepitante do meio dia para chegar até a sua casa, depois das aulas. E, durante o caminho, enquanto o suor escorria pelas minhas costas e ouvia o falatório do garoto sobre as coisas interessantes que tinham acontecido durante a sua manhã, questionei-me vezes demais o motivo de ter aceitado uma tarde de filmes nauseantes de comédia romântica.

— Porque no fundo você ama a minha companhia, cactozinho. — Foi o que ele disse, na única vez que externalizei esse pensamento com fingida indignação, quando ainda estávamos no meio do percurso.

Andávamos lado a lado em uma calçada, eu concentrada em devorar o meu salgadinho gigante, e ele com a embalagem do seu amassada por entre os dedos, porque a fome tradicional daquele horário nos obrigou a passar em um mercadinho para comprar coisas que pudessem forrar um pouco dos buracos negros dos nossos estômagos.

Suas palavras trouxeram primeiro a negação ao meu sistema nervoso, que se espalhou como um vírus por todas as minhas células.

— Claro, Jader. — Destilei sarcasmo, forçando um rolar de olhos enquanto colocava mais uma porção generosa de salgadinho na boca. — Da mesma forma que uma pessoa sequestrada ama a companhia do sequestrador.

— Ela pode ter Síndrome de Estocolmo. — sugeriu.

— Mesmo assim, não seria sentimento de verdade. — As palavras saíram emboladas, e, logo depois, engoli a comida. — Só instinto de sobrevivência que se converteu em outra coisa que ela pensa que é paixão, mas não é.

— Por que você sempre tenta buscar uma explicação pra tudo?

Mirei suas íris reluzentes sob os raios solares impiedosos que se derramavam em nós, incendiando seus cachos alaranjados.

Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Estou Fazendo AquiOnde as histórias ganham vida. Descobre agora