36: Colheres Antigas na Ponta do Nariz

884 157 97
                                    

Não foi difícil entender o motivo de Jader gostar tanto da loja de velharias da tia

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

Não foi difícil entender o motivo de Jader gostar tanto da loja de velharias da tia.

A Relicário exibia itens diversos nas suas prateleiras ligeiramente empoeiradas, que reuniam antiguidades doadas, compradas e outras que passaram de geração em geração na sua família. Havia coisas um tanto inusitadas, como caixas de charutos de modelos antigos, relógios velhos que enfeitavam as paredes e aparelhos eletrônicos de décadas passadas.

Aquela tarde de quarta-feira estava morna, e o ar fresco exalava um cheiro agridoce de incenso. O fraco sol que adentrava pela fachada de vidro espalhava um filtro cor de oliva nos quadros pendurados pelo ambiente e incendiava os cachos inflamáveis do garoto ao meu lado, que fitava os objetos com um brilho quente ainda mais faiscante que o do astro-rei.

Jader faltara no colégio no dia anterior e naquela manhã, e me disse que isso se deveu ao fato de ter perdido o horário por causa do seu sono desregulado. Eu tinha acreditado na primeira vez, a ponto de não ter insistido que saíssemos terça; apenas o deixei dormir, e ele o fez o dia praticamente todo, dando sinal de vida por mensagem apenas à noite.

Ficar preocupada foi inevitável; principalmente por ter se ausentado das aulas novamente na manhã seguinte. A mesma justificativa foi dada, mas eu sentia que talvez houvesse algo a mais, e esse algo me inquietou o suficiente para chamá-lo para fazer alguma programação que gostasse, o que nos levou à loja da sua tia.

Ele tinha uma pequena cesta de fibras traçadas que foi oferecida pela vendedora na mão, cujo interior já estava abarrotado de peças em miniatura do que pareciam brinquedos colecionáveis dos anos setenta, pintados de cores vibrantes que contrastavam com a camisa cinza e a calça jeans que Jader usava.

— É incrível, não é? Tipo, te faz pensar em como as coisas eram há sei lá quantos anos, por onde elas andaram, as histórias que já presenciaram... — devaneou, sua atenção vidrada em uma câmera polaroid na prateleira próxima a nós.

A máquina havia prendido minha atenção há alguns instantes. Eu puxei Jader pela camisa assim que avistei o objeto, estacionando junto com ele em frente à peça deslumbrante, que teve um efeito nos meus olhos semelhante ao que um bolo de chocolate com recheio de chocolate e cobertura de chocolate teria. Cravejado com bolinhas de chocolate, para completar.

— Isso é incrível. Tá dizendo aqui que ela é de segunda mão. Imagina quantas fotos já tirou, de tanta gente diferente! — exclamei, tomando a peça por entre os dedos para analisar a sua estrutura metálica.

Virei a etiqueta que anunciava seu preço, e confirmei, com um furor elétrico, que minhas economias dos últimos meses me permitiriam comprá-la pelo seu valor razoável.

— Vai levar? — Jader indagou.

Sorri.

— Claro que sim.

Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Estou Fazendo AquiWhere stories live. Discover now