4 - Turma do alojamento

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De volta ao edifício de alojamentos para rapazes da universidade, Ilya subiu até o quarto e último andar. Àquela hora os corredores estavam movimentados e repletos de estudantes. A mente do rapaz estava agitada, mas tinha agora um objetivo fixo em mente: tomar seu medicamento. Chegou ao seu alojamento que recebia a iluminação do sol pálido, encoberto e que quase não projetava sombras. Sobre a mesa, buscou seu copo e, ao pegar a jarra d'água, bufou irritado – Bremmen! Aquele idiota nunca enche a maldita jarra...

Deixou a cápsula verde ao lado do copo e saiu com a jarra em mãos para enchê-la na fonte do final do corredor. No caminho, um grupinho de estudantes veteranos iniciou o assédio usual.

– Ei, calouro! – chamou um deles, Fredrick Hurtog – O que foi isso na cabeça? Bateu-a num poste?

– Ele deve ter caído da cama... – disse um louro alto.

– De novo! – completou um baixinho ruivo que caiu na gargalhada.

Ilya ignorou os três passando ao largo sem dirigir-lhes o olhar ou mesmo uma palavra.

Chegou ao final do corredor, abriu a torneira da fonte e encheu o jarro escutando algumas zoações misturadas ao falatório de dezenas de outros estudantes que subiam e desciam pelas escadarias próximas da fonte.

No retorno, encarou Fredrick por um instante que estava com um semblante zangado. Suas sobrancelhas grossas que se uniam no centro da testa pareciam ameaçadoras. Era um atleta grandalhão, membro da equipe de remo da universidade.

Como resposta, Ilya desviou o olhar e caminhou cabisbaixo desviando-se para o canto oposto do corredor. Porém, Fredrick também se movimentou naquela direção.

– Ei, calouro, não é educado ignorar as pessoas.

Ilya arrependeu-se de seus maus modos, mesmo sabendo que aqueles sujeitos só eram problemas.

– Bem, desculpe, Hurtog, mas estava distraído. – desculpou-se sem intenção de interromper sua marcha.

– Desculpas aceitas. – disse Hurtog saindo se sua frente. Mas assim que Ilya passou ao seu lado, aplicou-lhe uma rasteira.

Ilya despencou e a jarra de metal bateu no piso de pedra soando como um gongo e fazendo jorrar água para o alto. Ilya estava todo molhado e no chão. Logo, os três encrenqueiros e mais uma dúzia de passantes caíram na gargalhada.

– Calouro eterno, há há há. – dizia num tom irritante o baixinho ruivo que se chamava Berg, ou Berth. Ilya não sabia ao certo.

Humilhado, levantou-se com o rosto muito vermelho e dentro de si fervilhava uma raiva que jamais experimentara. Por diversas vezes, recebera humilhações semelhantes, mas, agora, tudo era diferente. Havia uma nova perspectiva funesta na vida de Gregorvich.

Berg, ou Berth, foi ao chão com o nariz sangrando e muito admirado. Ilya aplicou-lhe um golpe certeiro no nariz com a jarra de metal.

Seu próximo alvo, Fredrick, não foi tão fácil. Hurtog desviou-se do golpe. Simultaneamente, Ilya berrava indignado – Não suporto mais essa merda!

O louro alto veio ao socorro de Hurtog que estava "desarmado". O segundo golpe de Ilya atingiu o braço de Fredrick que tentava proteger o rosto. O louro deu um encontrão em Ilya e ambos chocaram-se contra a porta fechada de um dormitório, arrebentando-a e caindo para dentro do quarto. Um rapaz que trocava de roupa olhou para a cena incrédulo e de queixo caído.

O louro arrastou Ilya para fora do quarto. Hurtog pressionava o braço com uma expressão de dor e raiva na face. Ilya se debatia, mas seus oponentes eram muito mais fortes que ele. Atletas e adultos.

– Segura ele, Finn. – ordenou Hurtog.

Dois socos no rosto e três no estômago: foi o que Fredrick conseguiu acertar antes que outros estudantes apartassem a briga. Isto não ocorreu sem que Finn também levasse sua marca: uma bela mordida no braço que chegou a tirar sangue.

– Seu animal! Seu animal! – gritava Finn ao ver o sangue correr de seu antebraço.

– Você vai se ferrar conosco, calouro! – esbravejava Hurtog sendo segurado por dois outros estudantes. – Você está morto! Morto, calouro!


***

– Toma isso aqui, moleque!

Ilya aceitou o copo que Halle lhe ofereceu e choramingou – Mas é álcool.

– Toma logo essa porra, frangote! – ordenou seu colega.

Ilya aceitou e sentiu a aguardente queimar sua boca e depois a garganta. Sentia-se incomodado com aquele ambiente. Era a primeira vez que havia entrado em um bar. Havia música, garotas bonitas, mas também, um monte de gente mal encarada.

Halle riu-se – Você está muito ferrado, moleque. Olha só sua cara. Tá todo roxo.

Ilya sorriu, mostrando um dente a menos.

– Você catou seu dente?

Ilya fez que não.

– Não importa. – constatou Halle – O dentista faz outro crescer aí em dois tempos.

Ilya deu com os ombros.

– Então, chifrudo, me conta essa história de novo.

Ilya bebeu mais da bebida e passou a mão no galo que ganhou quando caiu desmaiado dentro do trem. Notou que uma garota olhava para Bremmen, mas fez uma cara ruim quando cruzou o olhar com o seu. Daria para encher uma caminhão com palitinhos, Ilya calculou, para todas as vezes que uma garota havia olhado para ele daquele jeito.

Por fim suspirou e contou toda a história de novo para o amigo. Ilya começava a se acostumar com a ideia de estar num bar, apesar de lembrar muito uma aglomeração. Halle havia insistido muito, na verdade, era imprescindível que comemorassem.

– Vamos, frangote! Nós vamos para um bar. – Halle sugeriu, horas antes. Estavam saindo da enfermaria.

– Bar? – choramingou o garoto – Eu quero é a minha cama.

– Deixa de ser afetado, moleque, nós vamos é comemorar!

– Comemorar? Você é sádico ou algo assim? – Ilya estava indignado.

– Muito simples, vou lhe dar três razões e você não vai ter como negar.

– Certo.

– Primeiro, você teve a coragem de ir falar com aquela sua paquera, Maruska, né?

– Não, Marya.

– Isso! Segundo, você enfrentou aqueles babacas! Apanhou, é verdade, mas também deixou sua marca em cada um deles. O idiota do Berg ainda está baixado na enfermaria com o nariz quebrado e você, fora um dente a menos, está inteiro.

Ilya tentou disfarçar um sorriso.

– E a terceira razão?

– Terceira? Ah sim! Você matou aulas um dia inteiro pela primeira vez! Seu caso ainda tem jeito. Levanta essa bunda preguiçosa daí e vamos para um bar.

– Mas eu sou menor...

– Com essa cara ferrada sua, hoje você passa por maior, eu garanto.

Os Óculos Indesejados de Ilya GregorvichWhere stories live. Discover now