9 - Incrimindados

56 12 1
                                    

Ilya sentiu o chão gelado em sua face. Ao despertar, lembrou-se do ocorrido e um calafrio percorreu sua espinha. Ainda sentia o gosto ruim de vômito em sua boca. Bochechou com água da jarra e cuspiu no vaso sanitário. Ilya deu uma olhada pela janela, estava escurecendo. Ele tinha ficado apagado o dia todo.

Halle despertou, mas tinha dificuldades para respirar. Seu rosto estava inchado e disforme. Viu Ilya, apontou para a bolsa e disse num suspiro quase inaudível – Pega a bolsa, Ilya.

Ilya obedeceu e trouxe-a para Halle.

– Abra. – pediu.

Ilya abriu e Halle apontou o estojo. Ilya desabotoou e, surpreso, viu uma dúzia de frascos com líquidos de várias tonalidades e intensidades de brilho. Estavam presos por tiras de couro. Halle indicou um deles, de cor azul clara. Quando Ilya pegou o frasco os pelos de seu braços se arrepiaram. Bremmen, moribundo, destampou o frasco e bebeu seu conteúdo de uma só vez.

– Ah, melhor. – suspirou aliviado, como se bebesse água após atravessar um deserto.

Halle fez força para recostar-se e, antes de dizer algo, recebeu o jornal de Ilya.

– Olha isso!

Halle leu – Dois policiais mortos em embate contra traficantes em Kassev.

– Não! Do outro lado! – Ilya quase gritou, com os nervos à flor da pele.

Fez um careta e explodiu – Vorn-Nasca, filho de uma puta! Armou para nós!

– Eu acho que deveríamos nos entregar e explicar a situação. – sugeriu Ilya.

– E passar o resto da vida na cadeia? Nem pensar, moleque! Nós vamos pegar aquele desgraçado, isso sim!

– Mas como?

– Veremos... Vambora! Temos que sair daqui agora mesmo. Com esse jornal por aí, é possível que a polícia chegue aqui a qualquer momento.

Como em resposta a uma profecia, – Toc, toc, toc. – bateu-se na porta.

– Shh. – Halle pediu silêncio.

– Abram a porta! – veio uma voz ameaçadora.

Halle retirou um frasco com líquido de cor púrpura. Tomou metade e deu o restante ao companheiro. – Toma isso aí.

– Abram! É a polícia! Vocês não têm como escapar. – avisou.

Ilya bebeu o líquido que desceu rasgando por sua garganta. No instante seguinte, viu Halle saltar da cama de uma maneira sobre-humana e, em seguida, pular pela janela, dizendo – Vem, moleque!

A polícia arrombou a porta e entrou atirando. Ilya, apavorado, não teve alternativa senão atirar-se pela janela com os disparos de energia passando rente ao seu corpo.

Ilya achou que iria se esborrachar e morrer, afinal, saltou do terceiro andar do hotel, mas, para sua surpresa, de algum modo, uma série de rolamentos instintivos amorteceram o impacto. Halle já estava de pé e pegou Ilya pela mão, erguendo-o.

– Corre, moleque! Corre!

E, novamente, Ilya ficou admirado, pois, depois de alguns instantes, ambos corriam tão rápidos quanto um cavalo. Talvez pelo medo, Ilya correu ainda mais rápido que Halle, deixando-o para trás. Da janela, os policiais dispararam alguns tiros, mas não atingiram a dupla.

Pessoas nas ruas da cidadezinha olhavam aquela cena surreal sem acreditar no que viam. Chegaram perto de uma esquina e Ilya viu um automóvel sem capota. Um senhor bem vestido estava entrando nele. Halle captou a oportunidade e empurrou-o e tirou suas chaves.

– Desculpe, mas preciso roubar seu carro.

O senhor ficou gritando indignado – Ladrão! Polícia! Ladrão!

Halle ligou-o e logo alcançou Ilya. – Sobe, moleque! E não discuta!

Pisou fundo no acelerador e, em questão de minutos, estavam na estrada, fora de Krarnov.

Halle deu uma gargalhada. – Conseguimos!

Ilya retrucou irritado – É! Conseguimos arruinar com nossas vidas. Isso sim!

– Ainda não chegou o fim desta história, frangote. Até agora, estamos nos virando bem.

– É... Como ladrões e assassinos.

– Afinal, você é traficante de supersoro ou algo assim?

– Eu, traficante? Se liga, Ilya. Sou apenas usuário. Meu trabalho me coloca em muitas situações difíceis. Não é a primeira vez e nem será a última que me meto em encrencas.

– É, mas é a minha primeira vez! – bufou Ilya, todo vermelho.

– Calma, ficar nervoso assim não vai ajudar em nada. Precisamos esfriar a cabeça e pensar. Pensar!

Ilya cruzou os braços contrariado e ficou pensativo. Nenhuma solução vinha à sua mente. Somente mais problemas. Estavam enrascados. Pensou em seu trabalho receando nunca poder terminá-lo. E seu tio, como reagiria àquela manchete? E nunca teria Marya.... Afinal, que garota ia querer se envolver com um ladrão e assassino?

Halle fazia o carro zunir pela estrada. Ilya chegou a reclamar, mas foi repreendido. Seguiram assim, em silêncio, por algum tempo. Ilya observava a paisagem rural com longos trechos de áreas de plantio, agora muito quietas e estéreis por causa do inverno. Já alguns trechos, eram cobertos por florestas. Até que tudo ficou mais escuro e anoiteceu.

– Não vai dar para ir longe demais – disse Ilya.

– Por quê?

– Por que somos procurados e estamos num carro roubado – retrucou Ilya.

– Tem razão – Halle saiu da estrada, o carro dando trancos enquanto enquanto entravam na floresta.

– Seu maluco! – Ilya segurava-se forte no painel do carro achando que Halle não conseguiria se desviar da próxima árvore. Assim que se afastaram bastante da estrada Halle parou o carro.

– Vamos, Ilya, seguiremos a pé a partir daqui.

– Onde estamos?

– Voln, não está tão longe.

– Como sabe?

– Eu viajo muito, frangote, eu sei.

Halle caminhava com dificuldade. Ilya viu o brilho escapar do estojo de supersoro que Halle abriu. Ele bebeu mais meio frasco do líquido azul claro. É o que lhe daria forças para seguir um pouco mais. Apesar de ter dormido um pouco, Ilya também estava exausto e faminto. Ambos caminharam em silêncio por algumas horas. O dia ainda não dava sinais de chegar, mas, ao longe, era possível ver a aura da iluminação de Voln atrás das colinas.

– Lá está, Ilya. – indicou Halle – A cidade das luzes.

– Me diz uma coisa, – pediu o garoto próximo da exaustão – como você conseguiu tantos frascos de supersoro?

– Faz parte do que faço. Exploração de ruínas é uma atividade perigosa, mas rentável.

– Não acha que vamos ser pegos se voltarmos para Voln?

– Se formos tolos, sim. Mas fique tranquilo. Eu tenho um plano.

– Ótimo! Só espero que não inclua aumentar nossa ficha criminal.

– Para com essa choradeira, frangote! Ou vou te dar uns tabefes.

Halle sentou-se e disse – Vamos descansar um pouco.

Halle praticamente desmaiou de sono, mas o frio descia e mordia Ilya como que com dentes afiados de um dragão. Ele andou de um lado para o outro, tentando se aquecer e pensando. Sacudiu Halle.

– Acorde! Se dormirmos aqui, vamos congelar.

– Está certo... Me ajuda aqui... – Halle gemeu para ficar de pé e seguiu apoiado para Ilya em direção às luzes distantes de Voln.

Os Óculos Indesejados de Ilya GregorvichWhere stories live. Discover now