11 - O sonho de Ilya

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Uma forte explosão projetou Ilya para trás. Terra chovia ao seu redor. Era uma guerra. Estava em meio a um campo de batalha. Ilya levantou-se ligeiramente atordoado, ajeitou o fuzil e disparou contra o inimigo. O tiro foi certeiro, deixando um buraco no tórax. Os inimigos que enfrentavam eram implacáveis, sem faces e sem emoções. Usavam máscaras prateadas e lembravam a face de um lobo. A invasão era feroz e incessante. A cada dia, milhares de menodrols desembarcavam em Durkheim. Ilya atirava do solo alto e exercia vantagem sobre os inimigos que chegavam pelo mar, abandonando centenas de barcos para invadir a pé a praia. Os navios davam cobertura às tropas de infantaria, disparando seus canhões contra a linha de defesa, sem parar. Os soldados, com os rostos tapados pela imagem do lobo, desembarcavam às centenas, como formigas brotando de um formigueiro pisoteado. Corriam para se abrigar nos rochedos e muitos morriam no caminho.

Aquela guerra era uma loucura e Ilya atirava abatendo menodrols aos montes. A cada abate, somava-se em seu peito forte sensação de culpa. O peso tomava conta de si e o remorso quase o paralisava, mas continuava lutando porque sua vida dependia disso. Era tudo culpa sua! Aquela invasão. A guerra. A destruição de Voln. Tudo era sua culpa. Tudo culpa dos óculos. Tudo culpa de Orgeila.

Outro tiro de canhão acertou um rochedo ao seu lado e atirou-o a muitos metros. Sua face tocou a grama e ralou-se. Seu corpo estava ferido. Fora perfurado com uma dúzia de estilhaços. Uma coceira percorreu sua face. O que era aquela sensação gozada? Era aquela coceira a sensação do momento de morte? Ao morrer sentir-se-ia uma coceira como aquela?

Ilya abriu os olhos sentido o rosto coçar. Trouxe a mão para aliviar-se e isto espantou o jupp-lint que tinha seus bigodes roçando-lhe a face, enquanto farejava-o com curiosidade. O roedor evadiu e logo se escondeu estufa adentro. Ilya olhou para cima e viu que o Sr. Xir ainda estava adormecido em sua cadeira de balanço.

O rapaz levantou-se, ainda sentindo dores de cabeça. As imagens e fortes impressões do sonho escapavam-lhe da memória tornando-se vagas e enevoadas. Sabia apenas que estava em uma guerra que acontecia por sua culpa. "Como poderia ocorrer uma guerra por minha culpa? Um mero estudante de matemática...". Logo, a realidade caiu-lhe como um raio. Lembrou-se do jornal e que era tido como um assassino. Era uma pessoa procurada.

Ilya examinou os óculos e estes já não exibiam imagens nas lentes. Voltaram a ser como antes. O que viu nos óculos teria sido um sonho? Não. Não mesmo! Apesar do tumor que tinha no cérebro, o rapaz conseguia distinguir perfeitamente a realidade dos sonhos. Então soube: o governo estava mentindo sobre a energia limpa. E deu-se conta de que saber um segredo como aquele era mais perigoso do que ser acusado de assassinato. Seus problemas pareciam apenas crescer e crescer.

O Sr. Xir dormia profundamente e Ilya sentiu forte necessidade de conversar. Saiu da estufa para acordar Halle.

Ele observou-o roncando sob a sombra da árvore. Seu rosto estava inchado e havia dois cortes mal cicatrizados cujo único curativo feito foi derramar aguardente para limpeza. Havia algumas folhas caídas sobre ele e parecia que a grama alta fazia bem o papel de um colchão.

Ilya agachou-se e cutucou Halle – Ei, acorda!

O outro resmungou e, após alguma insistência, terminou por despertar.

– Que foi? – estava alarmado – Problemas?

– Nada imediato. Falei com Firnamul'Uxir. – Ilya balançava estava agitado, trocando o peso entre os pés.

– É? – Halle forçou-se para levantar, usando um pedaço mais alto de raiz como assento.

– Sim. Ele é um pouco confuso, mas o mais importante é que compreendi por que Orgeila Bertonk foi assassinado. – Ilya disse tudo de uma vez, esbaforido.

Os Óculos Indesejados de Ilya GregorvichOnde as histórias ganham vida. Descobre agora