12 - Mik

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Ilya e Halle caminhavam até a estação mais próxima. O creme oferecido pelo velho elkin criava uma casca ilusória sobre o rosto deles. Um disfarce mágico bastante eficaz.

– Como assim, iremos até a universidade? – Ilya estava inconformado com Halle. – Precisamos ir. Se eu não falar com o Professor Vienko, estamos ferrados!

– Liga para ele então!

– Não dá... Esqueci minha agenda.

– Liga para o serviço de informações, afinal, não é tão difícil assim falar com alguém na universidade. – ele estava apavorado com a perspectiva de serem pegos.

– Não é esse o ponto, frangote. Preciso falar com ele e pegar uma coisa. Temos que ir.

– Mas...

– Mas nada. O disfarce vai funcionar bem. Não haverá problemas...

Pouco depois, Ilya e Halle caminhavam pelo campus da universidade de Voln. Apesar de saberem estar protegidos pela loção que disfarçava suas feições, ambos sentiam que a universidade podia ser um ambiente perigoso. Ali adotaram a política de andarem separados, mas mantendo contato visual.

Halle penetrou no antigo prédio onde funcionava o departamento de arqueologia. Era um prédio de dois andares, com três alas formando um "U". Halle seguia para o corredor dos gabinetes. Testou a maçaneta e viu que a porta estava aberta. Halle fez um gesto para Ilya indicando o final do corredor. Ilya seguiu em frente até o local, onde havia uma fonte d'água. Beberia um pouco para passar o tempo.

– Com licença. – Halle entrou, fechando a porta atrás de si.

O escritório era amplo e se assemelhava a uma biblioteca bastante desorganizada. Além de livros em armários e prateleiras que subiam até o teto, havia pilhas de livros e papéis sobre as mesas, cadeiras e um pequeno sofá. Atrás da mesa principal, o professor Vienko estava debruçado sobre um grande mapa, ainda incompleto, de um sítio arqueológico. Este ajustou os óculos tentando reconhecer aquele estudante que acabava de entrar. Era um senhor de meia idade, nariz proeminente, ligeiramente calvo e que quase não tinha cabelos brancos, exceto alguns fios nos fartos bigodes bem penteados e no cavanhaque. Tinha a postura de um cavalheiro, talvez por herança de sua família que fora de nobres nos tempos da monarquia.

Halle abandonara suas típicas vestes de couro e usava um antigo casacão verde de lã emprestado pelo Sr. Xir.

– Pois não? – Vienko ergueu as grossas sobrancelhas.

– Não me reconhece, Mik?

O professor empalideceu e ficou tenso – Bremmen? É você?

Halle sorriu, apesar disso, Vienko não reconheceu o sorriso habitual de seu aluno e assistente.

– Primeira coisa: não é culpa nossa. Fomos incriminados.

– Bremmen! – sussurrou – Que história é essa?

– Calma, Mik, tudo vai dar certo. – Halle empurrou alguns livros para arranjar espaço no sofá. O professor aproximou-se e puxou uma cadeira.

– Mas, afinal, o que houve? Posso ajudá-lo em alguma coisa?

– Sim, pode sim. Deixa eu explicar primeiro. – disse Halle com sua voz e jeito característicos, sendo isto a única coisa que Vienko reconhecia.

O rapaz explicou toda a história e sobre o confronto com o Vorn-Nasca. O professor escutou interrompendo poucas vezes.

– Foi isso, Mik. É uma loucura, mas você sabe, esse tipo de problemas parece me perseguir.

– Ah, sim, sei sim. – o professor conseguiu esboçar um sorriso – E é incrível essa sua capacidade de livrar-se de encrencas.

– O segredo é não ficar confiante demais.

– Sorte! Pura sorte, isso é que penso.

– Ah, Mik, desencana. Enfim, é por essas e por outras que sou seu braço direito.

– Uma ova, Bremmen! Mas sei que não veio aqui só para contar essa história, não é?

– Não, mais uma vez preciso de sua ajuda.

– O que tem em mente?

– Então... – enquanto Halle negociava com o professor Vienko, Ilya estava a caminho de encontrar encrenca, ou melhor, a encrenca estava a caminho.

Ilya pensava em algumas equações enquanto bebia água pela terceira vez quando sentiu uma mão forte puxá-lo pelos ombros.

– Gregorvi... – Fredrick Hurtog, o estudante veterano de arqueologia que Ilya combateu semanas atrás ficou decepcionado.

Ilya congelou com a possibilidade de ser reconhecido. Seria a loção tão eficiente para mascarar sua identidade de alguém que o conhecesse pessoalmente?

– Ah, desculpe, pensei que fosse outra pessoa.

Num gesto inconsciente, Ilya abraçou o braço direito com o esquerdo e olhou para baixo. Percebeu isso só depois. Tinha manifestado uma de suas reações típicas. "Estúpido! Estúpido!". Ilya tentou disfarçar e engrossou a voz – Qual é, ah, cara... Tá me estranhando?

Ilya olhou nos olhos de Hurtog e viu a dúvida pairar por alguns instantes. Depois, o grandalhão balançou a cabeça – Desculpa, pensei que fosse uma peste dum assassino.

Ilya engoliu seco, deu com os ombros e saiu dali dizendo – Ah, tudo bem...

Ilya observou que Hurtog o seguia observando-o intrigado. Teve consciência de que usava os sapatos marrons de sempre e que o cadarço do pé direito desamarrado. Dezenas de vezes, Hurtog, Finn ou Berg haviam pisado nos cadarços soltos para vê-lo cair e resmungar. Isso fez com que seu estômago revirasse. Será que ele iria reparar naquilo?

Ilya apressou o passo e ouviu os passos de Hurtog também ficando mais ligeiros. Antes que Ilya começasse a correr, tropeçou pois Hurtog pisou com força no cadarço para prendê-lo. Ilya tropeçou, como de costume, e levantou-se xingando instintivamente – Merda, Hurtog!

Colocou as mãos sobre a boca, arregalou os olhos e saiu correndo.

– Assassino, assassino! – gritou Hurtog – Peguem-no! É ele! Ilya Gregorvich, o assassino!

Os gritos de Hurtog interromperam a conversa entre Halle e seu patrono, Mikail Vienko.

– Ilya! – sobressaltou-se Halle – Tchau, Mik! Nos vemos!

Halle abriu a porta e viu Ilya correr ao longe perseguido por Fredrick Hurtog.

Halle alcançou Hurtog, que, por sua vez, estava a um passo de alcançar Ilya. Aplicou uma rasteira em Hurtog. Sobre o oponente caído aplicou um chute certeiro na face. – Toma, distraído!

Momentos depois, Halle e Ilya saíram do prédio da arqueologia.

– Por aqui! – Ilya indicou. Conhecia bem as rotas de fuga dentro do campus. Logo alcançaram refúgio dentro do bosque.

Os Óculos Indesejados de Ilya GregorvichWhere stories live. Discover now