28 - Retorno a Voln

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Ilya procurou por Halle um bom tempo na superfície. Já era madrugada, mas o movimento ainda era intenso.

– Consegui! – comemorou Ilya ao encontrar Halle.

– Moleque! Te procurei por toda parte. Achei que você podia ter descarregado novamente e batido as botas.

– Mas consegui, não ouviu? Estive no subterrâneo, obtive informações importantes e mais soro. Vamos embora, não há tempo a perder.

– Verdade?

– Sim, depois lhe conto tudo, vamos pegar nossas coisas e dar o fora daqui!

Após deixar a usina, Halle arranjou estadia na casa de uma de suas ex-namoradas. Passaram a noite e o disfarce acabou-se de vez. Bem cedo foram tomar o trem de Vetrocrav para Voln. Disfarçaram os rostos sob gorros e cachecóis. Tomaram vagões distintos para posteriormente se encontrarem na mesma cabine. Lá ficaram a maior parte da viagem. Depois de saber das revelações de Lavamiir, Halle disse que já suspeitava. Muitas coisas escapavam às leis de Durkheim. No fundo, Halle lamentou o fato de que o governo não fosse o responsável direto por aquela atrocidade. Talvez, fosse este o caso, haveria comoção popular suficiente para mudar as coisas no país. Por outro lado, agora fazia sentido que a oferta de supersoro no mercado negro estivesse em alta nos últimos meses. Era um golpe de mestre por parte do Bahamute: a crise energética do país fora amenizada e, ao mesmo tempo, conseguiram criar um gigantesco laboratório de refino de supersoro bem debaixo do nariz do governo.

Após muitas conversas, Ilya retomou seu trabalho com as equações. Sua mente fervilhava com ideias e não conseguia nem mesmo dormir. Enquanto ele trabalhava, Halle dormia roncando ruidosamente, porém, sem constituir empecilho para o desenvolvimento das demonstrações matemáticas.

Voln estava coberta pela neve. Ilya limpou o vidro embaçado para ver através da janela do trem. Pôde contemplar os belos edifícios da região central e palácios contra o mar cinzento e horizonte indefinido, ao longe. A melancolia o dominava naquela manhã gelada, mas, ao aproximar-se da estação central, o sentimento que predominou foi a ansiedade.

Desceram do trem misturando-se à multidão. Halle achou que conseguiria falar com Masha ainda em casa àquela hora. Ao lado dos telefones públicos, havia uma banca de jornais. A foto e manchete da capa chamaram a atenção de Ilya. "Pesquisadora desaparecida: Rapto ou assassinato?". Era a foto de Masha. Ilya comprou o jornal e passou os olhos sobre a reportagem.

– Ela não atendeu. – disse Halle – Já deve ter saído.

– Não foi isso, veja! – entregou-lhe o jornal. Halle ficou pálido e suas pernas bambearam. Ilya olhou nervosamente ao seu redor e foi dominado pelo medo.

– Vamos sair daqui logo!

Na matéria do jornal, a prima de Masha, Fiodora Flammoc, apontava em seu testemunho Halle como o principal suspeito. Na história publicada, omitia-se o fato dela própria ter estado em contato com Halle. Apenas havia o relato de que Masha recebera Halle ferido em sua casa e que teria encontrado em seus pertences drogas e armas. Fiodora lamentava a boa fé e ingenuidade da prima que teria acreditado na história contada por Halle. Segundo a prima, Masha teria falado com ela por telefone revelando que acreditava na inocência de Halle e Ilya no caso do assassinato do Mestre Exul. Também havia informações sobre o dia e condições do desaparecimento de Masha. Ocorrera no dia que se seguiu à última conversa entre ela e Halle por telefone. Teria trabalhado no laboratório saindo mais cedo. Seu carro foi encontrado no estacionamento próximo ao prédio do curso de cinema.

– Vamos para a universidade. – indicou Halle.

– Está louco? Desta vez seremos pegos na certa!

– Então façamos o seguinte: eu vou lá atrás de Kólia Semiónytch.

– Sei.

– E você vai para o subúrbio tomar abrigo e conselho na casa do Sr. Xir. Depois eu lhe encontrarei lá...

– Tudo bem. Tome cuidado.

– Não se preocupe, sei me virar.

Despediram-se na saída da estação. Ilya evitou transportes e concentração de pessoas. Seguiu a pé pelas ruas com menor movimento até chegar ao subúrbio. Após mais de uma hora de caminhada, chegou à casa. O jardim e a enorme árvore, agora cobertas de neve. A Sra. Arildi abriu a porta parecendo um pouco mais corcunda que da outra vez. Apertou os olhos, quase cegos, tentando enxergar o rapaz.

– Olá Sra. Arildi, sou eu, Ilyodorv, gostaria de falar com o Sr. Firnamul'Uxir.

– Ah sim, meu rapaz, lembro-me bem de sua voz. Ele disse que você e, talvez, seu amigo retornariam. Entre, por favor.

Entrou pela porta da frente sentindo o cheiro de mofo e mobília antiga. Havia muita poeira no chão e nos móveis. A sala de estar não era limpa há um bom tempo, já a copa e a cozinha estavam um brilho.

– Sente-se, por favor. – indicou uma cadeira de madeira com assentos acolchoados e saiu.

Depois de uma longa espera, ela retornou. – Venha, rapaz, o Sr. Xir irá recebê-lo.

– Sim, obrigado.

Na cozinha, Ilya recebeu uma bandeja com chá e biscoitos – Por favor, leve isto. Está muito frio lá fora e toda essa neve me desanima.

– Claro, sem problemas.

Ilya atravessou o quintal coberto por uma espessa camada de neve fofa. A estufa estava coberta de neve, quase invisível junto ao muro. Chegou até a varanda e pôde ver uma fraca iluminação avermelhada em seu interior. Dentro, a temperatura era ótima. Havia um potente aquecedor de mana ígnea funcionando que tingia o ambiente com tons avermelhados. Xir estava adormecido em sua cadeira de balanço. Em seu colo, três jupp-lints enrolados como bolas de pelo aproveitavam o calor do elkin.

Observou-o respirar com certa dificuldade, mas, apesar disso, a expressão facial era muito tranquila.

– Não estou dormindo. – avisou Xir – Apenas meditando.

– Ah, olá, Sr. Xir.

– Está de volta, Sr. Gregorvich. Sabia que retornaria. Como eu sei, você me pergunta? Sonhei com isto! Assim é que sei.

– O que devo fazer? Descobri que a usina vista no SOGEP fica no subsolo da nova usina de Vetrocrav. E também soube que sua construção é obra do Bahamute. Eles fizeram isso junto aos funcionários corruptos do governo.

– Ah, sim, meu jovem. A corrupção está dominando esta nação. Temo não haver um meio de refrear isto tudo.

– O senhor conhece alguém na polícia, AID ou no governo em que poderíamos confiar?

– Não confio nem mais em mim mesmo nestes dias, meu rapaz... Não creio que possa ajudá-lo neste sentido.

Ilya lamentou ouvir aquilo deixando a busca da solução para depois.

– Sr. Xir, lembra-se de ter dito que aqui é um portal de sonhos?

– Sim.

– Será que posso dormir aqui enquanto aguardo meu amigo Halle? Quem sabe um sonho pode me dar uma pista sobre o que preciso fazer?

– Fique à vontade, meu rapaz.

Após encontrar um canto, Ilya repousou. Antes de adormecer pensava em Marya.

Os Óculos Indesejados de Ilya GregorvichWhere stories live. Discover now