10 - Ella

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Estava há cinco minutos tentando tomar coragem para entrar no prédio. Observei a mensagem que recebi com o endereço do maestro e não acreditei quando li décimo quinto andar.

Ele morava no décimo quinto andar e eu tinha fobia de elevadores.

Encarei o elevador fechado e uma mulher passou por mim e apertou o botão que chamava por ele. Dei um passo para trás quando as portas se abriram.

Eu consigo. Vai Ariella. Você consegue.

Isso é coisa da sua cabeça. Medo bobo...

Repetia milhões de vezes as palavras na minha mente quando as portas se fecharam. Eu não tive coragem de entrar.

Olhe à direita e avistei as escadas. Eu logo me rendi a elas e respirei fundo antes de entrar.

Coloquei uma música nos meus fones do celular e comecei a subir degrau por degrau. Comecei a contar os vãos de escada. Contei quantos passos haviam entre os vãos. Contei quantas escadas haviam em cada lance. Respirava pesado quando me dei conta de que estava no décimo andar.

Olhei a janelinha e já me sentia nas alturas. O ar não está rarefeito?

Aumentei o volume do meu fone e me sentei no chão por um segundo. Respirei fundo e voltei a subir. Subi no rotina da música e consegui finalmente chegar ao décimo quinto andar.

Bati na porta de madeira pesada e ela logo foi aberta. Um rapaz me observava com os olhos confusos antes de me dar passagem para entrar.

- Ariella?

- sim. Nesse apartamento...

- Meu pai está te esperando na sala. - Ele diz entendendo o que quero dizer. - Você aceita um copo de água, um suco quem sabe?

Meu fôlego estava horrível. Minha cara de estar vermelha e inchada e eu só queria um galão de água e a minha cama.

- Água seria ótimo, por favor.

- Claro. - Ele caminha pela sala enorme e eu o sigo até a cozinha. - O porteiro se anunciou há uns bons minutos... você não subiu pelas escadas, subiu?

- Eu tenho uma certa fobia de elevadores...

- Você subiu quinze andares de escada?

- Foram quinze? Nem percebi. - Brinco enquanto ele me estendia um copo transparente com água.

Engoli todo o liquido e ainda pedi mais um pouco. Acho que se ele oferece uma cama eu aceitaria e ainda dormira por um bom tempo.

- Meu pai está na sala ao lado. Vamos, vou te levar até lá.

- Obrigada.

Segui ele de volta a sala principal e entramos em outra um pouco menor. Era a sala de instrumentos. Haviam diversos deles por ali. O que mais me encantou foi o piano preto estendido em seu Requinte pela sala.

- Ariella. Você demorou. - Ele me cumprimenta se levantando da poltrona. Então eu me dei conta de que não fazia a menor ideia de qual era seu nome.

- Ela veio pelas escadas, pai. - O rapaz que me atendeu explica.

- Escadas? - Ele ri. - Esse era o motivo do seu pai nunca me visitar. Ele não subia elevadores também, certo?

- Não, ele não subia, infelizmente era contagioso.

O rapaz que me acompanhou se sentou ao seu lado e o maestro me convidou a sentar a uma poltrona a frente.

- Você parece cansada, trabalhou hoje?

- Sim, eu vim direto.

- Oh, vou pedir para que lhe façam algo para comer.

- Não precisa... eu tenho que ir em poucos minutos.

- Então vamos ser breves nesse caso. Preciso lhe contar o real motivo que me fez chama-la em minha casa.

- Claro, seria ótimo.

- Bom, seu pai, quando faleceu, pediu para que eu te ajudasse a entrar na orquestra. Ele me fez esse pedido do nada. Um dia estava sentado e simplesmente me disse para ajuda-la. Na época eu não entendi. Seu pai era um grande pianista e sabia muito bem aonde te guiar para conseguir, porém, uma semana depois ele se foi e só então consegui entender o que ele me disse. Ele queria que eu fizesse aquilo que ele não poderia fazer.

- Não entendo, nunca disse ao meu pai que desejava entrar para a orquestra do estado.

- Ele não disse orquestra do estado. Ele dizia a nacional. Um músico de verdade sabe até onde pode chegar minha querida.

- Orquestra nacional? - Eu solto surpresa. - Papai realmente era muito iludido.

- Ele é realista, Ariella. Você toca como seu pai e ele tinha a sua idade quando ele conseguiu entrar.

Demorei alguns instantes para assimilar o que ele dizia. Se eu estiver certa no que entendi, ele quis dizer que papai já participou do maior grupo de música clássica do país. Se for verdade... por que ele teria saído? Foi expulso? Teve algum motivo?

- Papai? Não, ele teria me contado...

- Eu o conheci nessa época. Sua mãe morava em São Paulo. Os ensaios todos feitos no Rio. Você então nasceu e seu pai percebeu que não daria mais para ficar tanto tempo fora. Sua mãe estava sozinha com você e seu irmão na época. Seu pai então fez a escolha mais viável e voltou para São Paulo. Anos depois, quando se mudaram para o Rio novamente, ele entrou para a orquestra da cidade e assim foi até... você sabe o resto, certo?

Até meus pais se separarem, sermos despejados de nosso prédio por causa de um novo comprador que queria demoli-lo e meu pai se jogar no posso do elevador do prédio de uma altura de onze andares.

- Eu não sabia...

- O fato é o seguinte. Eu te procurei por muito tempo depois disso, descobri que estava morando com sua mãe, mas seu padrasto me disse que você não tocava mais. Então eu desisti de ir atrás de você... até ontem, claro.

Era verdade, eu tinha mesmo ficado alguns anos sem tocar nada. Fiquei meses sem querer ouvir uma música sequer. Meu pai era a pessoa que me apresentou esse mundo, me parecia errado continuar se ele não estava aqui.

- Eu fiquei um ano sem tocar. Mas depois acabei pegando alguns bicos em festas e barzinhos. Acabei percebendo que isso era o que me fazia bem.

- Ninguém deveria viver sem ouvir música. - O rapaz fala baixo a minha frente.

- Eu tenho uma dívida com seu pai. Vou te indicar como minha aluna para que entre na orquestra. Se isso lhe agradar, claro.

- Eu só tenho vinte e um anos.

- O que importa é o saber, não a idade, minha cara. Eu estou aqui em todos os fins de semana, Antonio vai dar aulas para você no restante dos dias. Ele vai te guiar.

- Não bem isso, pai. Ariella toca a quase mesmo tempo que eu.

- Quantos anos você tem? - Eu pergunto.

- Vinte e sete. Porém podemos fazer uma troca de aprendizagem.

- E aí, aceita?

Observei os dois por um instante. Eles me observavam cautelosos como se um 'não' meu fosse os quebrar.

- Eu... aceito.

O muito que Ella senteWhere stories live. Discover now