62 Ella

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-- Bom dia. -- Digo sorrindo para Miguel que acabara de abrir os olhos.

Ele não sorriu ou esboçou qualquer expressão além do sono. A noite de ontem foi mais intensa do que esperávamos e ele ainda sentia o impacto.

-- Você está bem?

Ele não disse nada.

Eu sorri para ele e acariciei seu rosto e a barba. Ele finalmente esboçou uma espécie de sorriso que deixou meu coração quentinho. Eu o abracei ainda deitados e ele me apertou contra si.

Maria dormia no quarto ao lado bastante sossegada, diferente da noite de ontem quando ela não queria dormir com medo do pai ir embora. Demoramos um bom tempo para convence-la do contrário.

-- Miguel, eu vou embora amanhã de manhã. Será que a gente pode conversar?

-- Nós podemos ir depois.

-- Eu tenho que trabalhar.

-- Não, não tem.

-- Eu não trabalho pra você, eu trabalho pra sua mãe. Além disso meu serviço aqui foi resolvido.

-- E qual era o seu serviço?

-- Te convencer a voltar com Maria.

-- E de brinde eu levo você?

-- Só se você quiser.

Não vou implorar.

— O que aconteceu, Ariella? Como você sabe que o filho não é de Diego?

— Ele não pode ter filhos. Lara pagou pra que ele me convencesse o contrário.

Miguel ficou em silêncio. Parecia pensar. Eu sabia que ele não iria ficar muito feliz com a notícia.

— Eu não vou te obrigar a nada. Estou confusa e confesso que perdida. Não sei o que fazer, mas eu acho que consigo. Eu so queria que ele conhecesse o pai. E quem sabe um pouco de apoio. Ou carona pra ir ao hospital.

— Ariella... eu... — Ele estava confuso.

— Pode pensar um pouco. Depois me diz o que você decidiu.

— Eu te amo.

Ele simplesmente diz.

Não precisou de mais nada. Era tudo o que eu precisava saber.

— Eu não quero voltar mais para o Rio. Eu não acho que iria voltar se você e Maria não estivesses aqui. Mas não vou mentir meu desgosto ao voltar.

— Você não vai voltar?

Miguel logo se senta na cama e me observa por um instante. Ele parecia aflito com as próximas falas.

— Eu não consigo mais morar em cidade grande. Estou esgotado. Não aguento mais tanto barulho, tantos problemas. Tanta gente sabendo mais sobre mim do que eu próprio. Eu estava pensando... eu quero criar Maria longe disso tudo. Longe das fofocas, das más intenções. De tudo. Eu não quero dar a ela a vida que ela não optou. A vida que ela só está por causa da mãe. Mesmo ela não sendo minha filha de sangue, ainda quero que ela cresça como outras crianças.

— Você não vai tirar seu nome dos documentos dela?

— Ela é minha filha. Não sei... não sei porque pensei o contrário.

— Eu também não.

— Vem comigo?

— Pra onde?

— Não sei! Uma cidade menor. Aqui, em minas... no sul. Ou em outro país. Não sei. A gente se vira. Um lugar onde eu e você possamos ter paz mental.

— Eu não sei...

— Nosso filho... eu quero que ele cresça comigo. Quero que ele tenha a infância que eu tive. Ou melhor... algo mais livre...

— Papai? Não foi embora!

Maria salta na cama antes que eu de minha resposta. Ela estava arrastando o cobertor com ela e não o soltou nem quando foi abraçar o pai.

— Eu prometi, não foi?

— Prometeu. Mas eu fiquei com medo.

— Eu nunca mais vou embora, Maria. Nunca mais. Eu so preciso de um favor.

— Qualquer coisa.

— Diga a professora Ella para morar com a gente.

— Ela vai morar com a gente!!? — Maria grita olhando para mim, mas sem olhar o pai.

— Não sei, peça a ela.

— Não precisa, meu amor. Eu vou morar sim com vocês. Não importa onde.

Miguel me lançou aquele sorriso que me derretia. Eu o amava. Eu o amava muito. Ainda tinha um pouco de raiva pelo rascunho que encontrei em seu computador, mas eu precisaria de tempo para esquecer.

Eu queria tentar. Eu queria saber como é ser livre... mas estava me prendendo a uma família. E eu não queria reclamar. Eu seria livre da minha maneira... eu era amada.  Depois de muito tempo... eu me sentia amada.

O muito que Ella senteWhere stories live. Discover now