Prólogo

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É ele, de novo. Claro que é. Não sei se esses sonhos são um sinal de que me mudar é a escolha certa, se são um aviso para não ir ou se são só porque estou com medo do que pode acontecer.

Olho ao redor. São quatro barracas montadas ao redor de uma fogueira quase se apagando, com a névoa se espalhando entre elas. Sei que tem mais pessoas dormindo dentro delas, mas sou a única que está acordada. Ou, pelo menos, a única que foi louca o bastante de sair de dentro da barraca.

O homem está parado no mesmo lugar: logo além da luz da fogueira, meio escondido na sombra e na névoa, mais uma silhueta que alguém real. Mas... Eu sei que ele está ali. Não tem como não saber, porque estou sentindo aquilo de novo. A sensação de que estou perdendo algo importante, deixando algo escapar, mas... É só um sonho, não é? Então porque estou engolindo em seco e respirando fundo, tentando não chorar?

A figura entre as árvores começa a se afastar.

O que quer que seja, não vou perder isso.

Me levanto de uma vez e corro na direção dele. As árvores se fecham ao meu redor, quase como se estivessem conscientes, tentando me segurar.

— Espera! — Grito.

O homem para, de costas para mim. Estou perto o bastante para ver o cabelo escuro comprido descendo pelas suas costas e... Parece que ele não está vestindo nada, porque consigo ver muito bem os músculos das suas costas e seus braços definidos. E eu não deveria estar vendo nada tão claramente assim, considerando a névoa ao nosso redor.

Engulo em seco e paro de uma vez, cambaleando. Não sei o que estou fazendo aqui. Não sei se deveria estar correndo atrás dele. Não. Eu não deveria estar correndo atrás dele – um homem que não sei quem é e que nem mostra o rosto, escondido nas sombras. Mas não consigo evitar.

O homem se vira devagar, só o suficiente para eu ver um brilho rápido de olhos verdes demais.

— Você não deveria ter voltado — ele fala.

O quê?

— Eu...

O homem me dá as costas de novo e continua a se afastar.

Dou um passo na direção dele, mas as árvores e a névoa se fecham ao meu redor, segurando meus braços, meu cabelo, escondendo o caminho que ele está fazendo.

— Ei! Espera!

Os galhos me seguram com mais força quando tento me soltar. Não. Não mesmo. Me jogo para frente com força. Os galhos me arranham, mas não importa. Só não quero ficar para trás. Não vou deixar o homem desaparecer sem me dizer quem é, por que estou sonhando com ele.

As árvores me soltam de uma vez.

Eu vou...

E eu estou na minha cama, de novo, encarando as malas prontas para viajar amanhã.

Me sento na cama, ainda encarando as malas. Se eu queria saber o que são esses sonhos... O homem disse para eu não voltar para Lua Azul. Disse com todas as letras. Quer dizer, o que mais ele poderia querer dizer com "não deveria ter voltado"?

E é isso. É só um sonho. Só meu subconsciente me lembrando de que existe alguma coisa na cidade que eu deveria ter medo. Alguma coisa que me fez esquecer. Mas não importa. O que quer que tenha acontecido, foi anos atrás. Muitos anos atrás. E eu já me decidi. Vou me mudar, e não é um sonho estranho que vai me fazer mudar de ideia.

Pego meu celular. Duas horas da manhã. Ainda dá para dormir bastante. Me deito de novo e me viro na cama, dando as costas para as malas.

Não quero sonhar com o acampamento de novo. Mas o homem dos olhos verdes... Não me incomodaria se sonhasse com ele.

***

N.A.: presentinho de natal para quem não tinha lido antes na newsletter xD

A previsão para começar a postar mesmo é em janeiro - sem data exata, mas janeiro.

Água e Fúria (Entre os Véus 2) - DEGUSTAÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora