OITO - Parte 1

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Me sento no chão, encostada em uma das árvores perto do rio. Loucura? Talvez. Mas pelo menos dessa vez não estou bêbada e alguém sabe onde eu estou. E se Vanessa não falou nada sobre eu vir aqui depois do almoço, então acho que não é uma coisa tão louca assim.

No fim das contas, o rio continua sendo o lugar onde eu mais tenho a impressão de que consigo me lembrar. Não que eu esteja querendo forçar minha memória de novo e tudo mais, mas... Só precisava de um lugar para sentar, sozinha, e pensar. Ou melhor, não pensar. Só deixar tudo se encaixar na minha cabeça.

E aqui é calmo. Não sei se é porque agora eu sei sobre os véus e tudo mais, mas aquela sensação de perigo desapareceu, mesmo que a água do rio esteja clara. É quase como se o rio quisesse que eu descobrisse sobre os véus de alguma forma e agora esteja calmo. Não que isso queira dizer que eu vou ser idiota de ir me sentar na ponte de novo. Não mesmo. Mas é bom estar aqui. Relaxante.

Um arrepio me atravessa. Retiro o que falei sobre ser relaxante. Não que seja culpa do rio. A culpa é dele. Alessio. Porque não preciso olhar ao redor para saber que ele está por perto.

Solto o ar com força. Por quê? Eu só queria sossego. Não deveria ser tão difícil assim. Mas não, ele tem que parar aqui. Tá, eu sei que ele mora numa caverna não tão longe daqui, mas eu não atravessei os véus. Se ele estivesse ficado do lado de lá, não ia nem notar que estou aqui. Não era isso que ele queria?

Não falo nada. Talvez se eu ignorar ele resolva ir embora. Vai ser melhor se for, aliás. Mas ele continua parado. Quer dizer, acho que está parado, porque não estou ouvindo nenhum ruído de qualquer tipo de movimento e continuo sentindo o olhar dele em mim.

Continuo encarando o rio, vendo os peixes nadando e as plantas se movendo com a correnteza...

Não dá. Não dá mesmo. Não consigo nem me distrair com ele me encarando desse jeito.

Olho para o lado. Alessio está parado no meio das árvores. Eu não tinha percebido antes, provavelmente por causa da luz diferente do outro lado dos véus, mas a pele dele tem um tom puxado para o lilás ou violeta, não sei direito. E as escamas escuras da cauda dele refletem a luz com tons de azul, verde e roxo. Bonito.

Hipnotizante, na verdade. É a única explicação para eu ter parado encarando ele de novo depois de como ele falou comigo da última vez.

— Eu não deveria estar aqui — Alessio fala.

Não. Não deveria mesmo.

— É só ir embora.

Ele recua, me encarando como se eu tivesse duas cabeças. Suspiro e olho para o rio de novo. Então é só ele que pode ser grosso? Okay. Não.

Não é justo. Eu só queria passar um tempo sozinha, relaxar. Talvez pensar um pouco, tentar puxar alguma coisa da minha memória. Alessio já deixou claro que não me quer por perto – tanto pela forma como praticamente me mandou embora da outra vez que vi ele, quando pelo que falou com Rafaela e Sina. Então para quê vir aqui me incomodar? A mata é grande o suficiente do lado dele dos véus para ele dar meia volta e fingir que nem me viu quando percebeu que tinha alguém aqui.

E eu não devia me incomodar com nada disso. Eu não conheço ele. Ponto. É só um cara esquisito que pelo visto gosta de ficar me encarando quando estou sozinha na mata. E isso não soa nem um pouco bom, pensando bem.

E ele ainda não foi embora.

Me viro para Alessio. Ele ainda está me encarando e dessa vez não quero nem tentar entender o que é essa expressão na cara dele. Já tem coisa demais na minha cabeça.

Água e Fúria (Entre os Véus 2) - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now