CINCO - Parte 3

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Olho para cima. O céu está claro, sem nenhuma nuvem, e mesmo o pouco de sol que passa entre as árvores está forte. Um dia bom para ir para a praia, depois que eu conseguir voltar para casa.

E eu não vou pensar em como saí da caverna e fui direto para a ponte no rio sem dar uma volta e sem me perder nenhuma vez. Não vou ficar imaginando como é que eu posso reconhecer as trilhas na mata, e mesmo assim não me lembrar de como conheço tudo isso. De como conheço ele. Porque sim, tenho certeza de que a gente se conhece. É a única explicação para eu ter visto ele nos meus sonhos desde antes de vir para cá e para como ele estava agindo.

Paro e encaro o rio. Nada. Nem sinal da onda assassina que subiu atrás de mim ontem. Mas a água não está clara, também, então acho que estou segura. Pelo menos não estou com nenhuma sensação estranha.

Escuto o ruído de algo rastejando atrás de mim.

Claro.

— Você não queria que eu fosse embora? — Pergunto.

Ele para do meu lado e não fala nada. Continuo encarando o rio. Não vou quebrar o silêncio. Não mesmo. Queria conseguir só atravessar a ponte e ir embora de uma vez, parar de pensar nisso tudo, mas... Não dá. Ainda mais com ele parado aqui. Tem algo sobre a presença dele, apesar de tudo, que me dá uma sensação de segurança que acho que nunca senti antes. Pelo menos, não que eu me lembre.

E eu quero saber de onde isso vem, por que, como perdi isso. Como eu consegui esquecer alguma coisa assim.

Cruzo os braços. Eu realmente devia ir embora. Deixar ele parado aqui, já que veio atrás de mim para ficar assim, sem falar nada.

Fecho os olhos e respiro fundo. Ficar em Belo Horizonte teria sido mais fácil, com certeza. Eu não estaria pirando e surtando com isso tudo. Mas não tenho certeza de que teria sido melhor.

— Me prometa que não vai fazer isso de novo — ele começa. — E falo com elas sobre conversarem com você.

Aperto meus braços com força. Falar com Vanessa e Rafaela. O que quer dizer que mesmo assim elas não me explicariam nada importante para valer, e qualquer coisa que falassem seria por causa dele.

Mas seria melhor que nada.

— Eu...

Não. Não vou mentir para ele. Não sei por que, mas tenho certeza de que isso vai ser algo imperdoável. E não posso garantir nada, porque preciso me lembrar. Tudo isso, a caverna, ele... Preciso entender o que aconteceu comigo.

— Não posso prometer isso.

Ou entendo, ou vou embora. Ainda não sei o que vai ser.

— Daiane...

Ele sabe meu nome. Claro que sabe. Só eu que estou às cegas aqui. E não vou perguntar o nome dele também. Se ele não quer me contar nada, então vai ser nada.

— Não.

Por que é que é tão difícil dar alguns passos e ir embora? Ugh. O que é que eu fui arrumar para mim...

Ele solta o ar de uma vez, daquela forma meio sibilante.

— Você não está com medo.

Dou de ombros.

Não e estou tentando entender isso até agora. Eu deveria estar no mínimo preocupada. Mas não consigo. Não que eu vá admitir isso para ele.

— Se quisesse fazer alguma coisa, teria sido mais fácil deixar eu me afogar.

O que não deixa de ser verdade.

Ele chia e se afasta de uma vez. Olho para trás. Ele está me encarando de um jeito que não faz sentido. Como se eu tivesse acabado de ofender ele ou falar alguma coisa completamente inesperada...

Mas eu não falei nada demais. Ou falei?

— É melhor você ir — ele fala.

E depois eu que sou a louca.

— É o que eu estava tentando fazer.

Dessa vez não é nem um pouco difícil atravessar a ponte e ir para casa.

Água e Fúria (Entre os Véus 2) - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now