UM - Parte 1

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Três meses depois

— Sinto muito, Daiane, mas realmente não temos nenhuma vaga nem previsão de nada — Marlene fala.

Nenhuma surpresa. E de todas as pessoas que fui atrás na última semana, ela é uma que tenho quase certeza de que está sendo sincera quando diz que "sente muito".

Por que é que eu pensei que isso ia ser fácil? Estou começando a concordar com o homem dos meus sonhos. Talvez vir para cá tenha sido um erro.

— Obrigada. Se por acaso aparecer alguma coisa...

— Eu aviso, pode deixar.

Saio do supermercado e paro na porta. Eu fui uma idiota. Simples assim. Sair de casa, vir para outra cidade sem nenhum plano definido, só na base do "chegando lá eu dou um jeito" foi a pior ideia que eu já tive. Se as coisas continuarem assim, não dou dois meses para ter que desistir de vez e voltar para a casa da minha mãe.

E eu preciso de café.

Suspiro e começo a descer a rua. A essa hora ainda tem café na hospedaria da Vanessa. E, já que ela se recusa a me deixar pagar quando apareço lá para tomar café, vou é aproveitar.

Pensando bem, talvez essa loucura toda não tenha sido uma idiotice tão grande assim. Ao menos aprender alguma coisa eu aprendi, né? Por exemplo, que eu sempre fui mal acostumada mesmo. Me recuso a concordar com os comentários sobre eu ser mimada, mas mal acostumada? Isso sim. Muito. E não tenho a menor ideia do que vou fazer agora.

Argh.

Eu só queria sossego. Só isso. Poder tocar minha vida sem ninguém falando na minha cabeça que tenho que ser mais adulta e parar de agir como uma criança mimada. Criança mimada. Me recuso a pensar que querer fazer algo que eu goste seja ser uma criança mimada que não leva a vida a sério.

Paro na frente do portão enorme da hospedaria, que está aberto, como sempre. A propriedade da hospedaria é enorme, com um jardim na frente e um caminho de pedrinhas que vai do portão super elaborado até a porta. O casarão que é a hospedaria é uma coisa meio estranha que funciona, de alguma forma: teto de altura diferente em alguns lugares, duas colunas na frente da porta, algo em um canto que parece que era para ter sido uma tentativa de torre mas que alguém desistiu e tentou fazer funcionar com o resto da casa...

Ainda acho que a casa é a maior prova de que a loucura de Vanessa é genética, porque tem que ser uma família muito louca para construir algo assim. E, sim, Vanessa é louca. Não tem outra explicação para ela deixar o portão sempre aberto, insistir que não precisa de mais ninguém além dela e do namorado trabalhando na hospedaria e não ter nem pensado numa coisa óbvia como fazer um site para se divulgar.

Eu só queria metade da loucura dela. Às vezes assim daria um jeito de não precisar voltar para a casa da minha mãe.

Dou a volta na casa e entro pela porta da cozinha. Mais fácil do que passar pelo meio do salão agora, já que a porta que dá para a cozinha por dentro da casa vai estar fechada. E, e pelo barulho de conversas vindo do salão, a hospedaria está mais cheia do que eu imaginei que estaria. Quem é que vai viajar para a praia em abril?

Me sento na bancada no centro da cozinha, puxo uma xícara e uma garrafa de café e pego um pote de biscoitos do meio de tudo que está espalhado por aqui. Não sei como Vanessa e Nero conseguem fazer isso tudo todo dia, de verdade. Não sei mesmo. Mas se ela falou que eu podia aproveitar o café da manhã aqui, não vou recusar.

Estou no terceiro biscoito quando escuto a porta de correr se abrir.

— Insônia de novo?

Dou de ombros. Nem está tão cedo assim, mas Vanessa sabe que gosto de dormir até tarde. E, no fim das contas, foi por causa da insônia que fui falar com Marlene agora de manhã.

Água e Fúria (Entre os Véus 2) - DEGUSTAÇÃODove le storie prendono vita. Scoprilo ora