QUATRO - Parte 1

233 45 21
                                    

Eu não quero falar sobre isso com Vanessa. Seguro o copo de café com as duas mãos e olho para o quintal da hospedaria. Ou melhor, para a mata lá no fundo.

Ter deixado uma muda de roupas na hospedaria foi uma ótima ideia, no fim das contas. Assim que voltamos, eu já fui tomar um banho gelado em um dos banheiros de hóspede e estava até começando a me sentir gente de novo mesmo antes de Nero avisar que tinha comida na geladeira e café pronto. Ficar aqui quer dizer que posso respirar e descansar um pouco, e ao mesmo tempo não vou precisar ver meus clientes, porque nenhum dos hóspedes vem na cozinha.

Suspiro e tomo um gole de café. Sei muito bem o que eu ia pensar se alguém virasse para mim e perguntasse se eu sabia que tem um homem-cobra morando no meu quintal. Ou melhor, na floresta que começa no quintal. Algo assim. E eu ia achar que qualquer pessoa que falasse isso é louca. Não, obrigada. Não vou trocar um rótulo por outro. Ao menos aqui Vanessa não acha que sou uma garota mimada que não está preparada para o mundo real só porque nunca consegui parar e fazer uma coisa só. Ela está tentando me ajudar. Se de repente ela começar a achar que estou doida porque estou tendo alucinações...

O pior é que não tenho a menor dúvida de que isso foi real. Nenhuma duvidazinha. Eu sei o que aconteceu. Sei que vi o homem duas vezes. Que caí no rio e ele me tirou de lá, de algum jeito, e depois, quando ele realmente apareceu para mim, visível e...

Foi real. Ponto. O que quer dizer que não tenho outra opção a não ser falar com Vanessa, mesmo que ela ache que sou louca. Não. Ela sabe de alguma coisa. Se não soubesse – se ela e Nero não soubessem de nada – não teriam falado tudo o que me disseram sobre a mata.

— Dai?

Balanço a cabeça e olho para a porta que dá para dentro da hospedaria. Claro que Vanessa ia chegar agora. Claro. Eu estava pensando que precisava falar com ela e ela simplesmente brota.

— O que tem de especial na mata? — Pergunto.

Vanessa olha para trás e fecha a porta. Interessante.

— O quê?

Tarde demais para tentar desconversar.

— O que tem na mata? Por que as pessoas desaparecem?

Ela cruza os braços e balança a cabeça.

— Eu não...

— Eu sei que tem alguma coisa, Vanessa — interrompo. — Acha mesmo que eu ia ficar três dias dentro da mata e não notar nada?

Vanessa solta o ar com força e balança a cabeça antes de vir na minha direção.

— Eu juro para você que não quero fazer isso. De verdade, Dai. Mas...

— "Mas" nada. Você sabe alguma coisa e não quer me contar, só isso.

Vanessa respira fundo e apoia as duas mãos na bancada, bem na minha frente.

— Sei. E não vou contar.

Encaro a bancada e bato o punho fechado nela. De todas as reações que eu imaginei, não esperei por isso. Não mesmo, não de Vanessa. Achei que ela era melhor. Que podia confiar nela.

— Você...

— O que é que você fazia na floresta quando era criança? — Vanessa pergunta.

Balanço a cabeça.

— Isso não...

— Por que é que vocês foram embora da cidade?

— Eu não...

Água e Fúria (Entre os Véus 2) - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now