SEIS - Parte 2

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Eu não entendo como nunca vi nada disso. E, se vi, como não me lembro. Ou como tudo isso pode estar escondido, porque... É coisa demais. Outro mundo, literalmente, mas... Ligado com o nosso, se é que entendi certo. E Lua Azul é um ponto de passagem de um lado para o outro. Ou melhor, a hospedaria é.

Não é possível. Não deveria ser possível. Isso tudo deveria ser um delírio, sei lá. Agora, ter uma confirmação tão na minha cara de que praticamente qualquer coisa que já ouvi a respeito envolvendo magia, poderes, seres fantásticos e tudo mais pode ser real...

Tomo mais um gole de cerveja e continuo encarando a mata. Ou melhor, o arco no muro bem no fim do quintal da hospedaria, já um pouco dentro da mata, com as duas tochas brilhando com uma luz azulada que não tem como ser normal. Quer dizer, se é que posso dizer que alguma coisa é normal assim. Provavelmente é normal em algum mundo, só não aqui.

Vanessa se senta ao meu lado na varanda.

— Você não reagiu assim com as coisas que aconteceram perto do rio ou quando viu Alessio...

Dou de ombros. Sei que não faz sentido, mas para mim tanto o rio quanto ele são algo normal. Isso tudo que ela falou... Nem tanto.

Eu sei que Vanessa não me contou quase nada. Na verdade, ela só me ensinou como olhar de outro jeito e ver o muro e a mata como eles são do lado de lá – com a luz de um tom diferente, mais frio de alguma forma, e os insetos brilhando pela mata, se é que são realmente insetos. Mesmo assim, ela só não me contou mais por minha causa. Porque eu não achei que querer saber o que estava acontecendo na mata ia jogar uma bomba dessas na minha cabeça.

— É diferente — falo.

— Diferente como? Porque juro para você que eu teria tido esse momento todo de surto se visse Alessio antes de descobrir sobre as outras coisas, mas depois...

Tomo mais um gole de cerveja. Droga. O último gole, eu acho, porque realmente não devia estar bebendo, então não vou pegar outra lata.

— Eu conheço Alessio. Eu acho. Ou melhor, conhecia, quando era criança. Mas...

Dou de ombros de novo, ainda encarando a mata.

— Mas você não se lembra — Vanessa murmura.

Não me lembro e cada vez mais eu acho que isso não é por acaso. Não que algo assim tenha como ser por acaso, mas tem uma grande diferença entre um acidente, alguma coisa que só aconteceu, e algo que foi proposital.

Mas como que uma coisa dessas pode ser proposital?

Rafaela contorna a casa e para quando vê nós duas sentadas na varanda. Claro. Eu acho que ouvi a picape, só não tinha prestado atenção.

— Eu acho que está um pouco cedo para esse tanto de cerveja, não? — Ela pergunta.

Dou de ombros. Não vou parar para contar quantas latinhas foram. E foi merecido.

Ela levanta as sobrancelhas e olha para Vanessa.

— O que aconteceu?

— Ela viu Alessio — Vanessa fala.

— Aham, isso não é novidade.

Vanessa olha de relance para mim. É, acho que realmente não tinha falado sobre a primeira vez que vi ele, quando estava com os pesquisadores.

— De novo — completo.

Rafaela olha para mim, olha para Vanessa, para o fundo do quintal e de volta para mim.

— E então depois de todo o show de que ele não queria que Daiane soubesse sobre ele e tudo mais ele foi lá e apareceu?

Eu preciso de mais uma cerveja. De verdade.

Água e Fúria (Entre os Véus 2) - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now