OITO - Parte 3

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Onde é que eu vim parar? Ainda está quente, mas não tem mais o barulho da chuva e... Não. Espera.

Eu dormi. Puta merda, eu dormi.

Olho para a fogueira e paro quando o chão se move. Não. Não é o chão. É a cauda de Alessio. Eu dormi em cima dele. Ai meu deus.

Me viro para me sentar e paro.

Não acredito nisso.

A cauda de Alessio está enrolada, fazendo anéis um sobre o outro e eu estou mais ou menos no meio disso tudo. O pior é que eu estava confortável, como se pelo menos meu corpo se lembrasse muito bem de dormir assim.

E ele também está dormindo, esticado em cima da cauda enrolada e com os braços cruzados debaixo da cabeça.

Droga.

Fecho os olhos com força e respiro fundo. Por que é que ver isso dói? É uma coisa tão normal... Não. Nada aqui é normal. Mas tão simples. Eu não deveria ficar desse jeito.

Mas faz sentido. Considerando tudo o que ele me contou sobre quando nós dois éramos crianças e depois adolescentes, isso era normal. Era o meu normal. Era algo bom, e eu perdi isso. Como? É a única coisa que não tenho coragem de perguntar, porque tenho certeza que se fizer isso Alessio não vai me contar mais nada.

E eu não vou tentar sair do meio desse bolo de cobra e correr o risco de acordar ele.

Olho para a fogueira de novo – o que consigo ver dela. O fogo continua do mesmo jeito de antes, sem nenhum sinal de que está apagando. É. Isso é mágico. Não tem outra explicação mesmo. E não é nem difícil imaginar que isso seja possível, porque não me esqueci do frio quando Sina entrou na cozinha da hospedaria hoje mais cedo.

Hoje mais cedo. Algumas horas atrás. Mas parece muito mais tempo.

Passo a mão pela cauda dele. As escamas são lisas e mais quentes do que eu esperava. Não que sejam quentes. Mas não são geladas. Se bem que isso pode ser por causa da fogueira. E eu acho que é por isso que a fogueira está sempre acesa. Cobras têm sangue frio, não tem alguma coisa assim? E a forma como as escamas refletem a luz... É bonito. É diferente do que eu esperava, de alguma forma, com tons de roxo, azul e verde. Estava esperando que os reflexos fossem ser mais para vermelho ou amarelo, óbvio, por causa do fogo.

Mas a pele dele reflete o fogo de forma normal – da forma humana. Com sombras e luzes amareladas, se movendo no mesmo ritmo das chamas. Tão normal, se eu ignorar que a pele de Alessio tem um tom mais puxado para o lilás do que qualquer coisa que eu deveria considerar normal.

Deveria ser estranho. E eu acho que já repeti isso vezes demais, mas deveria. Só que de alguma forma... É natural. Só isso. É como a transição de pele para escamas, logo abaixo da cintura de Alessio. Continuo passando a mão pela sua cauda, até sentir a mudança de temperatura mínima e a textura da sua pele. É diferente, mas não é estranho. Diferente. Só isso.

Eu acho que posso até dizer que é um diferente interessante.

Alessio segura meu pulso.

Merda.

Ugh. Bom senso mandou notícias e dessa vez a mal educada fui eu.

— Me desculpe.

Porque mesmo que eu esteja deitada em cima dele, o que eu estava fazendo é algo bem diferente e não tem nem como fingir que não.

Alessio me encara e se levanta – só levanta o tronco, sem apoiar a outra mão na cauda, de um jeito que não tem como eu não encarar os músculos do abdome dele. Ele ter músculos definidos assim agora faz sentido. Faz todo sentido do mundo.

Água e Fúria (Entre os Véus 2) - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now