UM - Parte 2

248 44 19
                                    

Não crie expectativas, Daiane. Não crie expectativas. Como se tivesse algum jeito de não criar expectativas depois do comentário de Vanessa. Um "talvez" é melhor que nada. E, vindo de Vanessa... Não sei. Não faço a menor ideia do que poderia sim, mas é Vanessa. Não duvido de nada vindo dela.

A hospedaria inclui o café da manhã no preço da diária, e só. Almoço, lanche e janta são por conta de cada um. A cozinha não é liberada para os hóspedes e Vanessa não vende as outras refeições separado – cheguei a ver uns tantos hóspedes perguntarem isso enquanto eu ainda estava "morando" aqui.

Por algum motivo, depois que precisei negociar mais dias na hospedaria pela segunda vez, Vanessa começou a me chamar para almoçar e jantar com ela, o namorido e a avó, que ainda estava aqui. E foi assim o tempo todo que continuei na hospedaria, até conseguir terminar de arrumar ao menos o teto da minha casa. O que eu achei que ia demorar alguns dias, no fim das contas demorou quase um mês – tanto porque minha casa estava abandonada há anos quanto porque não estava tão fácil arrumar gente para fazer as coisas lá. E depois que fui para a minha casa, comecei a trabalhar no site da hospedaria, o que quer dizer que passei outro tanto de tempo aqui para aproveitar a internet. Viver de 4G sai caro, e como o trabalho era para Vanessa mesmo...

Ou seja, estar aqui no horário do almoço é normal. O que não é normal é estar nervosa sobre isso.

Paro na varanda, encarando a mata depois do quintal da hospedaria. Pelo cheiro, parece que o almoço já está pronto, mas não vou entrar agora. Não.

Isso é quase um ritual, sempre que estou preocupada com alguma coisa: parar aqui, encarando a mata. Tem alguma coisa lá. Tenho certeza que tem. Ou talvez seja só eu inventando alguma coisa sobre os anos que esqueci. Mesmo assim... Respiro fundo e solto o ar devagar. A pior parte de passar tanto tempo na hospedaria é a vontade de entrar na mata – e a melhor parte é estar aqui perto, porque estar aqui me acalma, de alguma forma. Não. Não é bem acalmar. Não faz sentido. Só me sinto melhor.

E talvez vir para Lua Azul tenha sido um erro não só porque não consigo me virar sozinha. Talvez eu tenha me esquecido de quando era criança por um bom motivo.

Isso é uma possibilidade que não tinha passado pela minha cabeça antes.

— Daiane?

Balanço a cabeça e olho para trás. Nero está parado na porta da cozinha, olhando para a mata. Pelo menos é o que parece. E se tem alguma coisa lá, tenho certeza de que ele sabe. Ou talvez ele só acredite nas histórias que contam pela cidade sobre monstros e sei lá mais o quê na mata.

Suspiro e entro na cozinha. Vanessa está colocando as coisas na bancada e tem lasanha hoje. Melhor dia para vir almoçar aqui. Definitivamente melhor dia.

Pego os pratos em um dos armários e levo para a bancada no meio da cozinha.

— Mais alguma coisa? — Pergunto.

Vanessa olha para mim e balança a cabeça.

— Vai feliz.

Estou indo. Com certeza, estou indo.

Pego um prato e corto um pedaço de lasanha. Nunca fui muito fã de massas, mas a lasanha de Vanessa é um caso à parte. Não sei o que ela faz, mas isso aqui é melhor que qualquer coisa que eu já comi antes – e um dos motivos para eu não entender por que ela não inclui refeições junto com a diária. Aposto que conseguiria hóspedes só por causa da comida.

— Eu não confio neles — Nero fala, ainda na porta da cozinha e olhando para fora.

Vanessa se senta na minha frente e revira os olhos.

Água e Fúria (Entre os Véus 2) - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now