SETE - Parte 1

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Me apoio na janela do meu quarto e encaro o espaço entre as duas casas do outro lado da rua. Ainda não sei o que pensar do que aconteceu e do que Vanessa e Rafaela me contaram ontem. Para ser bem honesta, na primeira chance que eu tive, voltei para casa correndo. Elas estavam falando algo sobre alguém chamado Sina voltar e não acho que eu tinha a menor condições de tentar processar mais alguma coisa – porque já ouvi elas e Nero falando sobre Sina antes, só que eu achei que era alguma amiga que morasse em outra cidade ou coisa do tipo.

O pior de tudo não é nem como tudo isso parece ser estranho ou impossível. É justamente não parecer estranho. Nada disso é novo, não de verdade. Uma parte de mim ainda se lembra – de Alessio, do rio, da mata, e de mais. Se forçar muito quase consigo me lembrar de mais alguma coisa – cores brilhantes, a luz refletindo em alguma coisa, um barulho parecido com um sino.

Esse é o problema. Vanessa está certa. Eu não voltei para cá por acaso. Mesmo que não tenha nada de "força puxando quem deveria estar aqui de volta", não tem como apagar tudo da minha memória. Não para valer. Não uma coisa tão importante assim – porque é uma das poucas certezas que eu tenho, isso tudo foi importante para mim. E faz sentido, considerando que me lembro de brincar na mata e que o pouco que as pessoas falaram para Vanessa sobre mim foi isso: que estava sempre na mata.

Não consigo parar de pensar nisso tudo. Quando cheguei em casa, ontem, a primeira coisa que fiz foi abrir o quarto da minha mãe, que virou meu depósito de tudo o que estava aqui e que eu não ia usar mas também não queria jogar fora. Não achei muita coisa, mas tinha dois álbuns de fotos velhas no meio da bagunça. Trouxe os dois para o meu quarto, mas eles estão desde ontem em cima da mesinha de cabeceira e ainda não tive coragem de olhar nada. Assim... Minha mãe levou vários álbuns embora quando a gente se mudou. Ela ainda tem eles guardados. Mas então por que esses ficaram para trás?

Eu estou sendo idiota. Devia só pegar os álbuns logo e olhar o que tem ali. Provavelmente não vai ser nada demais. Mas se for... Não sei se quero saber. E quero me dar uns tapas na cara por causa disso, porque até ontem eu só estava repetindo que queria saber. É estúpido. Simples assim. Mas acho que cheguei no meu limite por enquanto.

E tem alguém me encarando. Estranho, porque não tem ninguém na rua. A não ser que...

Não. Não faz o menor sentido ele estar na mata, olhando para cá. Não depois do que Rafaela falou sobre Alessio fazer questão de que eu não soubesse sobre ele. Mesmo assim...

Me afasto e fecho a janela de uma vez.

Eu não deveria me importar. Não mesmo. Eu era quase uma criança quando me mudei daqui. Quatorze anos não é muita coisa. O que quer que tenha acontecido, não tem como ter algum motivo para eu estar tão incomodada com Alessio.

É isso. Pronto. Eu era uma criança – uma pré-adolescente idiota, provavelmente. O que quer que esteja me deixando mal com tudo isso é um resto de lembrança daquela época. Não importa o que aconteceu, se eu conheci ou não Alessio. Quem quer que ele fosse na época, ele virou um cara grosso e sem noção. Não importa se me salvou quando caí no rio, continua sendo mau educado. Não preciso me importar com alguém assim.

Meu celular vibra. Ótima hora.

Vanessa: dê sinal de vida.

Hmm. Não sei por que ela está se preocupando. Eu avisei ontem que não ia surtar. Só queria vir para casa e conseguir pensar.

Olho para os álbuns do lado da cama. Que seja, então. Talvez seja por isso que eu não quero saber do que me esqueci. O que quer que tenha acontecido no passado, não importa. São as memórias de uma criança e eu preciso deixar isso para trás de vez. Entender isso, sim. Mas construir a minha vida, do jeito que ela é agora.

Encaro a mensagem de Vanessa de novo. Ela chegou a dar a entender que, já que eu sabia sobre os pequenos e tudo mais, talvez desse para combinar alguma coisa a mais de trabalho. E eu quero saber quem é Sina, o que Nero é e o que mais tem de diferente sobre o véu e esses outros mundos.

Eu: tem café?

Pego minha mochila com o notebook por puro hábito, coloco o celular no bolso e saio de casa.

***

N.A.: aaaaaaaaaa pequeno, descuuuuulpa :v me enrolei mexendo nos povs do Alessio e não deu pra arrumar as duas aqui.

Água e Fúria (Entre os Véus 2) - DEGUSTAÇÃOΌπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα