Capítulo 4 parte 2

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No outro Hemisfério, Erine, depois que fugiu de sua casa, levou Asia para Montevidéu, Uruguai, onde se hospedaram em um hotel por três semanas. À noite, Asia ouvia sua mãe chorando e ia deitar-se com ela; sua mãe a abraçava e depois acabava dormindo.

Passaram os dias passeando pela cidade, foram a restaurantes, a cafés e a uma casa de chá. Visitaram a praia, que apesar do frio da época do ano, era linda, e Asia pôde ver o mar pela primeira vez. Foram aos shoppings da cidade, ao cinema e aventuraram-se em uma excursão, visitando algumas pequenas cidades próximas a Montevidéu. Erine estava muito triste, mas sorria para alegrar Asia; ela precisava ser criativa e inventar distrações para a filha, que não parava de perguntar quando voltaria para casa para contar tudo ao seu pai.

Neste dia, Asia viu um farol, um museu, almoçou no mercado do porto e, depois, tomou um sorvete enorme. Por onde andavam, Asia contava os lindos carros antigos que via passar pela rua e informava sempre o total da conta para a mãe: uma conta com números pulados e carros novos acrescentados a ela. Ao entardecer, retornaram ao hotel, jantaram e deitaram cedo. No meio da madrugada, Asia acordou assustada; sua mãe andava rapidamente pelo quarto, guardando suas coisas. Trocou sua roupa e a da filha, colocando nela o vestido de veludo e o sobretudo bege, enquanto dizia em um sussurro forte:

- Rápido, Asia, rápido!

Erine segurou Asia pela mão, pagou a conta do hotel e saiu às pressas.

- Não sei o que está acontecendo - dizia para si mesma, mas Asia, caminhando a seu lado, prestava atenção como se fosse para ela. - Como ele pode me localizar? Não é possível! Eleonora devia saber que isso aconteceria..., e não me disse nada! O que ela quer que eu faça?

Erine entrou preocupada no táxi que o hotel chamou para ela, e juntamente com Asia se dirigiu ao porto com o intuito de pegar um navio de turismo que a levaria a Buenos Aires. Chegou muito cedo ao local e precisou aguardar. Caminhou com as duas pequenas malas e Asia pela orla através da densa neblina, enquanto observava o amanhecer do dia. Erine vestia um elegante sobretudo por cima do tailleur de lã e havia prendido parte de seu cabelo castanho com duas fivelas escuras, deixando à mostra suas orelhas e os brincos de pérola em forma de gota que ganhou de seu marido tantos anos antes. Seu rosto estava rosado devido ao forte frio e sua expressão era de quem se sentia perdida e avaliava os possíveis caminhos que poderia seguir. Baixou as malas no chão e ergueu Asia no colo, enquanto seus olhos claros percorriam o caminho de pedras da orla, perdidos em seus pensamentos.

Assim que foi possível, encaminhou-se para o local de compra das passagens e, aos poucos, os turistas bem agasalhados foram chegando para o passeio até a Argentina. Por onde passava, as pessoas que aguardavam o embarque olhavam para Erine. Ela sempre chamava a atenção: por sua bela e longilínea aparência e por suas roupas muito elegantes; usava joias e tinha uma atitude altiva, que acabava atraindo a atenção de todos. Erine embarcou ao lado dos turistas, que foram muito gentis e agradáveis conversando com elas. Estava constantemente atenta a todo movimento à sua volta e deu pouca atenção à filha, que adormeceu em seu colo antes mesmo do navio partir. Erine só se dedicou ao simpático casal sentado ao seu lado depois que o navio deixou o porto. Só então, ela finalmente sentiu-se livre e observou o navio seguir pelo Rio da Prata rumo à capital argentina.

Em Buenos Aires, trocou de hotel várias vezes e fez diversas viagens de trem com Asia dormindo em seu colo. Erine comprou roupas comuns para ela e para a filha e foi para uma cidade portuária ainda na Argentina, onde, por fim, se hospedou em um hotel muito simples.

No dia seguinte, logo após o almoço, Erine levou a filha ao quarto em que estavam hospedadas. Prendeu o cabelo, vestiu uma calça escura justa, um tênis de amarrar casual, um pulôver de cashmere e levou Asia para o armário de madeira antigo que existia no quarto. Ela abriu a porta do armário e colocou a menina lá dentro, agachou próximo a ela e disse com voz calma:

Nemtsi e Selvagens - As almas cativasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora