Capítulo 26

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Capítulo 26

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Início do século XX.

Kiev, Primavera de 1914. Dimitri havia se mudado para esta cidade não fazia muito tempo, iniciando uma nova fase solitária em sua vida, período onde se apresentava em orquestras pelo país permanecendo temporariamente longe das famílias estabelecidas em seu grupo. Estava com a aparência de quem tinha cerca de vinte e sete anos, e mantinha o mesmo porte físico elegante e bem preparado do tempo em que se dedicava apenas à liderança de seu grupo de cossacos.

Sendo o atual solista da orquestra, Dimitri ensaiava o concerto para violino e a orquestra de Mendelssohn. Era o que ele mais gostava de fazer: dedicar-se à música. Tocava maravilhosamente bem e os ensaios estavam sempre cheios de pessoas que, estando no teatro por alguma razão, acabavam por se sentar nas cadeiras da plateia para ouvi-lo. Seu porte físico alto e alinhado o destacava dos outros músicos, enquanto se colocava em pé diante do resto da orquestra e movia o corpo acompanhando as exigências que as notas da música impunham aos seus dedos e à mão que segurava o arco. Seus cabelos, lisos e finos, escorregavam para a testa à medida que fazia o arco parecer saltitar sobre o violino, e eram jogados para trás quando, em um rápido movimento, movia o arco para cima.

No fim do ensaio desse dia, deixou o palco juntamente com o maestro e o restante da orquestra como costumava fazer, e, na confusão de pessoas que cruzavam em diversas direções, ele foi abordado por mais um músico interessado em convidá-lo para tocar em grandes orquestras na Europa. Ele não estava interessado dessa vez; não fazia muito tempo que havia aceitado fazer esse tipo de turnê usando um nome falso, não poderia voltar tão cedo, correria o risco de ser reconhecido. Além do mais, era perigoso viver se apresentando em orquestras pelo mundo, colocando-se em evidência e chamando para si a atenção dos Nemtsi que, por ventura, desconfiassem do que ele era. Mesmo estando convicto de que seria difícil qualquer grupo Nemtsi pegá-lo, não era prudente alertá-los para a existência de Selvagens sobreviventes. Era um risco desnecessário.

Estava educadamente recusando o convite quando viu, a pouca distância, uma moça olhando para ele. Era linda, Dimitri achou que nunca tinha visto uma mulher mais bonita em toda a sua vida. Um rosto com traços finos, olhos azuis e um cabelo loiro claro que escorria pelos ombros. Deteve seu olhar nela e a moça percebeu, porque desviou os olhos para baixo. Ela era muito interessante, Dimitri não a deixaria ir sem falar com ela. Mais que depressa, ele se despediu do músico com quem conversava e, olhando fixamente para ela, caminhou ziguezagueando pelas pessoas que ali se encontravam.

A moça ergueu a cabeça novamente e sustentou seu olhar nele, acompanhando seu deslocamento atribulado e lento em sua direção. Sorridente, se aproximou daquela mulher linda que não era humana e que o observava com a mesma admiração e surpresa. Ela fixou seus olhos nos dele, e como Dimitri demorou a falar alguma coisa, ela olhou para baixo novamente com a cabeça um pouco virada para o lado.

- Olá, chamo-me Dimitri Lebedeff - apresentou-se entusiasmado estendendo-lhe a mão, enquanto a observava com atenção.

Ela ergueu os olhos novamente, correspondeu seu cumprimento e respondeu:

- Helena Vaschukaia - falou com docilidade e certo toque de timidez, enquanto Dimitri soltava sua mão. - Você toca muito bem! Vim trazer uns desenhos para as roupas da peça que será apresentada e vi você tocando. Sentei para assistir. Não sabia que existia alguém como nós que tocava violino tão bem - continuou Helena observando-o - aliás, eu não conhecia ninguém fora de minha família e alguns amigos de meus pais.

Nemtsi e Selvagens - As almas cativasWhere stories live. Discover now