Capítulo 6 parte 2

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Asia passou os anos seguintes na companhia de Yeda. Frequentava a sinagoga com ela, acompanhava-a em visitas a seus parentes que viviam no país, em São Paulo, ia com ela ao "Rosh Hashaná", "Hanukah", "Bris", "Bar Mitzvah", tudo de que Yeda participava.

O marido de Yeda havia morrido meses antes de Erine mudar-se com Asia para São Paulo. Eles não tiveram filhos nos quarenta e dois anos de casamento, e para Yeda, a companhia de Asia preenchia esse espaço que permaneceu vazio em sua vida. Yeda estava feliz por ter de cuidar dela e dizia a seus parentes que Asia era da família, que salvou a ela e a seus pais durante a Segunda Guerra Mundial. Explicou a todos eles que Erine viajara e que Asia ficou sob sua responsabilidade.

Nas festividades em que acompanhava Yeda, Asia fez amizade com um rapaz de sua idade, de nome Hanan Lender. Hanan sempre perguntava a Asia o que ela estava fazendo em todas as festas se ela não era judia, e Asia sempre respondia que vinha com Yeda. Apesar de ser um menino um pouco implicante, de maneira geral, Hanan sempre foi um bom amigo para Asia, que passou a fazer parte do mundo dele, desenvolvendo uma boa amizade com seus amigos mais próximos. Eles a aceitaram sem discriminá-la por apresentar um comportamento sempre muito contido, manter-se um pouco distante ou por não ter pais. Moravam perto de sua casa e, de vez em quando, apareciam em seu prédio com mais amigos. Assim, Asia tinha companhia, principalmente nas férias: um grupo de crianças de sua idade que a faziam se sentir menos solitária.

A amizade destas crianças ajudou Asia a superar a dor trazida por suas perdas. A companhia deles afastava-a da tristeza que sentia pela ausência de sua mãe e pela falta que sempre sentiu de seu pai. Falta esta que permaneceu entranhada nela como uma sensação constante de sair e deixar alguma coisa esquecida para trás, e que, como uma avalanche, assolou-a assim que Erine partiu.

Apesar da tristeza em que se encontrava, Asia tinha Yeda como referência de apoio e carinho. Era só com ela que poderia falar abertamente, mas, infelizmente, Yeda não tinha conhecimento suficiente para sanar todas as suas dúvidas e seus receios. Emocionalmente, entretanto, Asia recebeu toda a atenção possível. Yeda possuía uma maneira muito bonita de ver a vida, sorria sempre e a instigava a ver o lado bom de qualquer situação; insistia para que Asia procurasse ser feliz, pois, assim, de alguma maneira, as coisas boas viriam até ela.

O sentimento de abandono que se abateu sobre ela quando sua mãe partiu também foi notado por suas colegas de escola, que passaram a qualificá-la como diferente delas próprias. Asia se fechou dentro de sua dor, afastando os amigos que, de qualquer maneira, sempre soube que deveria manter distantes. A partir de então, as crianças da escola e Asia faziam parte de mundos distintos, e ela se manteve distanciada por exclusão e por necessidade. Logo, surgiram boatos de que Asia era má e que a mãe não morava com ela por essa razão. Então, sem fazer esforços para mudar a situação, Asia viveu os anos seguintes passando os períodos livres vagando, muitas vezes, sozinha pela escola.

Seu distanciamento era algo facilmente percebido, então, quando Asia estava com treze anos, um menino um pouco mais velho se aproximou, no recreio. Ela estava em um local um pouco isolado na escola e o menino, avaliando que ela era uma vítima fácil, se aproximou dizendo como ela era bonita, depois a segurou e tentou força-la a beijá-lo. Asia, espantosamente, bateu nele com as próprias mãos e conseguiu empurrá-lo. Com muita agilidade, virou-se e jogou algumas pedras e areia que estavam ao seu alcance, defendeu-se como pôde e correu.

Mais tarde, Yeda recebeu um telefonema da escola. Ela ouviu toda a história e, depois, foi com Asia conversar com a diretora. A diretora queria conversar com Erine; Yeda explicou que Erine viajava muito e deixava a filha com ela, que era uma parente e tinha uma procuração da mãe para representá-la.

Nemtsi e Selvagens - As almas cativasWhere stories live. Discover now