Capítulo 24

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Capítulo 24

***

      Andrey permaneceu em pé diante da janela observando a luminosidade tomar conta do céu. Estava exausto pela falta de dormir adequadamente e por toda tensão que foi obrigado a suportar. Era nele que pousava a responsabilidade de se manter as coisas equilibradas diante de Vladímir: não podia expor Reinis e Daina e não podia deixar levarem Asia.

      Agora, diante dos olhos de todos os envolvidos, essa questão estaria solucionada: acreditava que as leis Nemtsi seriam respeitadas e Asia permaneceria com ele, que se valeria de seu direito. Acreditava também que preservaria seu antigo disfarce, pois sentia que recuperara novamente o equilíbrio emocional que fora testado ao extremo.

      Virou-se para trás e notou que Asia havia adormecido. Aproximou-se dela verificando a temperatura de sua mão, que pendia para fora sobre o travesseiro. A aliança cintilava em seu dedo, ele a observou por instantes e, depois, recolocou a mão gelada dela para dentro das cobertas. Ficou sentado ao seu lado observando-a dormir, enquanto pensava que era ainda muito cedo e que Reinis e Daina ainda estariam dormindo. Não tinha a intenção de dormir, mas acabou se escorando no travesseiro, enquanto observava o céu clarear.

      Pela manhã, Daina desceu e viu que seria um lindo dia de domingo. Fazia sol, mas ainda estava muito frio. Foi para a sala e viu que sobre o encosto do sofá havia o paletó de um terno e uma gravata sobre ele. Daina aproximou-se, pegou o paletó nas mãos, viu que era de Andrey e lançou seu olhar para o alto da escada.

      Subiu indo primeiro ao quarto de Michel. Só seu filho estava lá, então, foi ver Asia. Daina abriu a porta lentamente e viu Andrey lá. Cansado, ele havia se deitado na cama sobre os cobertores ao lado de Asia, ainda vestia a camisa e a calça do terno e seu braço estava dobrado sobre Asia e os cobertores. Daina pôde ver a aliança em seu dedo, outra na mão que Asia deixou pender para fora, e os castiçais sobre as mesas de cabeceira.

      Daina fechou a porta com cuidado e depois desceu as escadas atordoada. Quando chegou ao último degrau, levantou a cabeça e encarou Reinis, que já estava na sala e havia acompanhado sua lenta descida. Olhou para ele perplexa e disse:

      - Andrey se casou ontem, com Asia.

      Slauka, que tinha começado a descer a escada e já estava na metade, parou, virou-se e voltou a subir a escada novamente.

      - Slauka! - disse Daina.

      Slauka parou de subir, virou-se e olhou para Daina sem dizer nada. Reinis se aproximou da escada e olhou para Slauka, que continuou imóvel e sem fala.

**

      Ele realmente havia adormecido, e como não podia evitar, suas memórias retornavam para assombrá-lo em seus sonhos. Estava novamente no Vilarejo Nemtsi próximo à Budapeste do séc. XVIII.

      Andrey ainda não tinha completado dezenove anos, havia se tornado esguio e bem alto e encontrava-se deitado de comprido sobre o banco da sala, que ficava sob a janela. Observava o teto e mantinha a perna direita erguida com a sola da bota apoiada no banco, e a esquerda permanecia pendurada e apoiada no chão. Moveu os olhos para o céu azul, que podia avistar através do vidro da janela, manteve-os fixos acompanhando os movimentos das nuvens, enquanto pensava que havia melhorado o suficiente para sair e que, no dia seguinte poderia, até ajudar com a colheita. O trabalho no campo ajudava a passar o tempo que sentia desenrolar-se tedioso, mas não melhorava nem seu estado de espírito, nem suas perspectivas de futuro: encontrava-se profundamente desmotivado.

      Assim que percebeu que Daina entrara na sala, escorregou seu pé para baixo tirando a sola de cima do banco que Krista tentava, em vão, manter livre de arranhões.

Nemtsi e Selvagens - As almas cativasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora