Nemtsi e Selvagens - A prisão dos ventos

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Início do capítulo 1

Século XII – Império Búlgaro.

      Era inverno, os dias eram curtos e já havia escurecido há algumas horas. Não nevava nesta noite fria e sem lua e o céu escuro exibia estrelas cintilantes.

      Os moradores da pequena aldeia mantinham-se sigilosamente em silêncio, abrigados e em segurança dentro de suas casas; temerosos com a súbita e inesperada presença de um ser que consideravam amaldiçoado. Um Guerreiro havia chegado ali há algum tempo, mas nenhum dos camponeses saiu de seu abrigo para verificar o que ele desejava. Cabia, então, ao patriarca da aldeia tomar a iniciativa de ir abordá-lo e descobrir o que queria.

      O Guerreiro encontrava-se no centro do pátio próximo ao poço de água, inquietamente esperando que algum habitante aparecesse para recepcioná-lo. Calado, mantinha-se montado sobre um agitado cavalo negro, cujo relinchar e o ruído de patas batendo contra o solo branco consistiam no único som que se podia ouvir nesta noite silenciosa.

      O rosto pálido e decidido daquele homem era pouco visível por baixo do gorro de pêlos densos e fofos e os cabelos escuros, finos e parcos, escorriam soltos sobre os ombros e por cima da capa de pele de animal que usava. Possuía uma espada que mantinha ao lado esquerdo de seu corpo, usava botas e segurava um embrulho que procurava manter protegido sob a capa. O cavalo, impaciente, movia-se flexionando as patas e balançando agitadamente a cabeça e o Guerreiro segurava as rédeas apenas com a mão livre, de forma que o animal fazia giros se deslocando e fazendo desenhos riscados na fina camada de neve que recobria o solo.

      Dentro das casas rústicas e simples, os moradores, aterrorizados com a presença do visitante, aguardavam com esperança de que aquele cavaleiro ameaçador desistisse deles e fosse embora. Mas o Guerreiro não dava mostras de que iria partir e parecia estar ficando impaciente.

      Então, após algum tempo de angustiante espera, o patriarca do vilarejo se encheu de coragem para ir falar com o Guerreiro. Abriu a porta de sua cabana e, deixando a mulher para trás, saiu em direção ao temido visitante.

      Logo que notou o ancião saindo de sua casa, o Guerreiro agilmente desceu do cavalo com seu embrulho nos braços e caminhou a passos largos encurtando a distância que os separava. Parou diante do ancião deixando perceptível certo desespero em seu olhar tão confiante e decidido, e lhe entregou o embrulho que carregava.

      O velho líder segurou o embrulho e percebeu que se tratava de um bebê envolto por panos e pele de animal e que estava com aproximadamente um mês de vida. Ao receber a criança nos braços, estendeu-o timidamente de volta, indicando que não a queria. No entanto, neste momento, sentiu medo da possível reação do Guerreiro, medo de que sua rejeição o aborrecesse, então, apenas a manteve suspensa e um pouco distante de seu corpo, erguendo em seguida os olhos interrogativos para aquele homem imponente e alto.

      — Cuide dele — pediu o Guerreiro, e sua voz era mais suplicante que imperiosa. — Cuidem como se fosse filho de vocês...

      — Não sabemos como fazer isso... Não é natural... — disse o velho com muito receio de desagradar aquele homem.

      — É só uma criança — justificou. Ele baixou os olhos para o embrulho, suspenso nos braços esticados do velho homem, e depois, em resposta a novos pensamentos, olhou para o próprio corpo mexendo-se para tirar algo do cinturão que cingia a cota de malha que usava por sobre uma túnica de lã. — Tome... — O Guerreiro entregou ao velho uma adaga com incrustações em ouro na bainha e no cabo. — Um presente pelo favor que estão me fazendo. Terão sempre minha gratidão.

Nemtsi e Selvagens - As almas cativasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora