CAPÍTULO 3

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*** capítulo sem correção ortográfica ***

Ayla

A sala de aula é inundada por um silêncio perturbador, olho para o garoto do outro lado, ele parece concentrado na folha a sua frente, tão encurvado sobre a mesa que sua coluna parece prestes a se partir ao meio.
Rezo para que ele saiba o que está fazendo, ao menos um pouco, já que foi idiota o suficiente para ignorar meu pedido para que estudasse comigo nos últimos dois dias além de me deixar com tanta raiva dele que desejei que ele se ferre. Mas agora, enquanto estou aqui observando-o, quase posso sentir seu desespero e me arrependo do que pensei, ele está apavorado eu sei disso.
Thales não ergue o rosto, não olha para mim e tenho a sensação de que sequer é capaz de respirar, passo o olho na minha própria prova, não está tão difícil, mas tem um texto de página inteira e isso é a morte para Thales.
Mal termino de responder a primeira pergunta e ouço o som de uma carteira sendo arrastada para trás com força, fecho os olhos desejando que não seja o que estou pensando, mas sei que é.
Thales se levanta jogando a mochila surrada nas costas, ele vai até a mesa da professora e deixa a folha flutuar até pousar sobre o tampo gasto de madeira. Ele não espera por sua permissão, apenas sai da sala sem sequer olhar para os lados, ignorando os avisos da professora de que ele não pode sair. Quero correr até ele, pedir que não faça isso, quero conversar, perguntar o que está acontecendo, mas não posso, preciso me dedicar a minha própria prova e isso leva o tempo suficiente para que ele tenha desaparecido quando a aula finalmente termina.
— Ei o que houve com o Thales? — Duda se aproxima desviando da multidão que se acotovela para ir embora. Estou com pressa e não tenho tempo para explicar o óbvio.
— Adivinha?
— Achei que ele tinha estudado com você como sempre.
Nego com a cabeça e Duda solta um palavrão, não precisamos dizer mais nada, essa é a vantagem de conhecer alguém a tanto tempo, sabemos tanto da vida um do outro que basta apenas um olhar para que tenhamos a certeza de que um não está bem.
Thales não está bem, faz tempo que as coisas vêm ficando estranhas e o seu jeito calado só piora tudo.
Passamos uma boa parte da tarde procurando por ele nos lugares que sabemos que ele costuma ir quando as coisas ficam feias na sua casa, Duda pergunta para algumas pessoas sobre ele, mas ninguém sabe e tenho a sensação de que ele desapareceu.
— Odeio quando ele faz isso. — Duda diz enquanto caminhamos para casa, depois de uma tarde frustrada de busca por nosso amigo.
— Estou preocupada com ele. — aperto meus dedos em volta da alça da mochila enquanto olho em volta na esperança de encontra-lo em algum lugar.
—Você acha que ele pode fazer alguma merda?
— Não, ele não, mas sei lá, sinto que ele está escondendo algo.
— Que merda Ayla, que tipo de coisa?
— Eu não sei. —  respondo porque não quero dizer em voz alta, mas no fundo do meu coração eu acho que sei o que Thales está passando.

***

Termino de arrumar a cozinha e vou direto para meu quarto, ainda ouço o barulho dos meus irmãos menores brincando na sala enquanto meu pai assiste o jogo do seu time favorito, nesse momento eu odeio futebol e tudo relacionado a ele então rejeito o convite para assistir a partida, invento que não estou me sentindo muito bem e me tranco no quarto.
As vezes é bom morar em uma casa de meninos,  quando meu pai não está trabalhando,  está sempre ocupado tentando fazer uma refeição decente para nós ou cuidado dos gêmeos, isso significa que ele quase nunca tem tempo para mim e de certa forma isso não é ruim, eu aprendi a me cuidar sozinha muito pequena, minha mãe morreu de pneumonia quando eu tinha apenas seis anos, os gêmeos tinham acabado de completar o seu primeiro ano e meu pai parecia um louco dividindo-se entre cuidar da casa, trabalhar e cuidar dos filhos, assuntos femininos são deixados de lado com facilidade quando se tem a tarefa de ser pai e mãe ao mesmo tempo e eu sinceramente não me importo.
Sempre que preciso de algo, tenho minha vó que mora perto e pode me ajudar. Nos ultimos anos precisei bastante da sua ajuda e meu pai soube me dar o espaço que eu precisava para aprender a lidar com as mudanças do meu corpo. Eu o admiro muito, não deve ser fácil ter a sua vida, mas ele sempre foi um bom pai, não muito carinhoso, nem de muito papo, mas presente e amoroso mesmo assim. 
Me ajeito na cama e abro o livro que estou lendo, é o segundo volume de uma série de distopia e estou ansiosa para saber com qual dos mocinhos a protagonista vai ficar, eu tenho a minha preferência e estou torcendo para ele, embora eu saiba que o outro seja mais forte e bonito, gosto do jeito quieto e observador do meu favorito, as vezes ele me lembra o Thales e me pego sorrindo igual boba quando me dou conta que é o rosto do meu amigo que imagino quando estou lendo.
Estou distraída tentando me concentrar na história e preciso de um tempo para notar um barulho do lado de fora. Sinto meu coração disparar aliviado no peito porque sei exatamente quem é, ouço mais uma batida e vou até a janela abrindo-a devagar para não fazer barulho.
— Está ocupada? — Thales pergunta com os olhos fixos nos seus pés e as mãos enterradas no bolso da sua calça de moletom, seus cabelos estão molhados escondendo seu rosto e mal consigo enxerga-lo com a luz fraca da rua. Mas por seu tom de voz sei que ele não está nada bem.
— Onde você esteve? — pergunto preocupada, ignorando a raiva que estava sentindo por ele ter me tratado daquela forma e por ter sumido por quase três dias inteiros.
— Por ai. — ele responde e desvia o olhar para o fim da rua, como se temesse que alguém o visse.
— Ah legal.
Thales não diz nada e nesse momento odeio o seu jeito turrão e calado, as vezes sinto como se estivesse tentando extrair leite de uma pedra quando tento falar com ele.
— Fala logo Thales, o que você quer? — cruzo os braços na frente do peito e ergo o queixo tentando demonstrar minha irritação.
— Nada. — ele continua olhando para o chão e sei que está lutando contra seu orgulho.
— Nada? Você veio aqui para nada?
Ele bufa e coloca a unha na boca, não preciso olhar para suas mãos para saber que seus dedos são todos destruídos, de acordo com minha avó, é ansiedade, eu acho que é uma forma de dizer “ não consigo falar”
— Eu...  só queria pedir desculpas.
— Porque você fez aquilo? — pergunto sentindo meus olhos pinicarem magoada. Não gosto me sentir assim, mas gosto menos ainda de brigar com Thales.
— Eu não tava bem.
— E descontou em mim.
— Eu sei, desculpa.
— Eu te esperei para estudarmos juntos.
— Eu estava irritado.
— Você vive irritado Thales.
— Você sabe que eu odeio quando começam a me pressionar. — ele justifica, mas não tenho certeza sobre o que ele está falando.
— Não tenho culpa que você não gosta de ouvir a verdade.
— Não é isso, eu... — ele bufa e para de falar, como se estivesse cansado de me explicar  a mesma coisa sempre.
Acontece que eu nunca entendo o que ele diz, acho que nem ele mesmo consegue entender porque não se interessa por nada relacionado a escola. Eu sei que Thales não é burro, ele apenas não se esforça, ele é teimoso e quase nunca aceita ajuda e isso me deixa furiosa porque eu sei o que acontece quando ele se dá mal na escola e fico apavorada só de imaginar que ele pode se machucar.
— Você o que Thales? — insisto sabendo muito bem como vai terminar essa conversa.
— Você já tá cansada de saber Ayla, não entendo porque tem que ficar repetindo sempre a mesma coisa droga! — ele ergue os braços irritado.
— Eu não sei de nada, eu só sei que se você não se esforçar vai repetir de ano.
— E dai? — ele grita e olho para trás com medo do meu pai entrar no quarto e ver que não estou tão indisposta como disse.
— Fala baixo! — sussurro e ele passa a mão no cabelo daquele jeito que os garotos fazem.
— Quer saber? Eu não deveria ter vindo até aqui.
Ele começa a caminhar para longe e minha vontade de tacar uma pedra em sua cabeça dura cresce a medida que eu começo a sentar na janela para pular para o quintal.
Merda Thales, você tinha que ser tão teimoso? E porque eu tinha que me importar tanto?
Começo a andar atrás dele seguindo-o pela rua escura e deserta sabendo que se eu demorar para voltar vou me dar mal e tudo por culpa desse garoto chato e teimoso
— Thales volta aqui. — grito, mas ele continua a andar.
— Deixa pra lá Ayla. — ele ergue um braço me dispensando sem olhar para trás. — Volta pra sua casa.
— Você sabe que eu não vou deixar. — começo a ofegar quando preciso apertar o passo. — Thales não me faça correr. — grito e ele finalmente para de andar e se vira para mim.
— Eu sou burro, é isso que você quer ouvir? Então tá, eu sou burro. — ele grita com os braços abertos e o rosto tão vermelho que por um instante acho que ele vai chorar, embora eu nunca o tenha visto chorando, nem mesmo quando quebrou o braço aos oito anos jogando bola ou quando Sandro o surra por ter feito algo errado, o que acontece quase sempre. Nem quando a sua cachorrinha morreu envenenada.
Thales não chora. Nunca.
— Não fala assim. — sinto um nó se formar na minha garganta por ele. — Eu não gosto que você diga isso.
— Mas é a verdade, é o que eu sou, um burro que não consegue aprender nada então pare de perder o seu tempo comigo porque não vai mudar o que eu sou.
— Eu não me importo Thales. Não me importo que você ache que é burro, para mim não é e eu gosto de você mesmo assim.— falo sentindo meu rosto esquentar por admitir isso em voz alta.
— Eu vou reprovar. — ele sussurra, tão baixinho que é como se até falar isso o machucasse. Seus ombros desabam, envergonhados, cansados. Triste.
— Talvez se a gente estudar juntos você consiga, deu certo ano passado, podemos fazer novamente esse ano. — me aproximo e toco seu ombro o encorajando a confiar em si.
— E no ano que vem, e no outro e no outro... até quando vou depender de você?
— Até quando você precisar de mim. Amigos ajudam amigos. É assim que é.
Ele suspira e se senta erguendo os joelhos e apoiando a testa neles.
Me aproximo e sento ao seu lado, sinto vontade de abraça-lo e conforta-lo, de dizer que não importa o que aconteça, que eu sempre estarei aqui, mas sei que ele não gosta de demonstrações de afeto, então me limito a ficar em silêncio.
— Minha mãe vai ficar muito puta se eu tirar mais uma nota vermelha. — ele fala ainda de cabeça baixa e estremeço só de imaginar o que vai acontecer. — O desgraçado do marido dela já disse que eu não vou mais jogar bola se eu não passar, ele vive falando que a culpa por eu não conseguir ir bem na escola é a bola, mas não é Ayla. — ele olha para mim, como se precisasse garantir que eu acredite nele.
— Eu sei que não Thales. — viro a cabeça de lado para poder olhar para ele, estamos bem perto um do outro e se não estivesse tão escuro eu poderia ver as sardas em seu rosto e a forma como seus olhos escurecem quando ele fica triste. Se não tivesse tão escuro eu poderia ver o hematoma em seu maxilar e o motivo para que ele esteja aqui, se não estivesse tão escuro eu poderia ler o grito de socorro de um garoto perdido, machucado e assustado.
Mas está escuro demais, para ele, para mim, para a nossa pouca idade, para o conceito de família e proteção que aprendemos desde pequenos e que ainda não temos maturidade para entender, mas talvez um dia, quem sabe, possamos olhar novamente para essa noite e enxergar através das palavras não ditas, tudo aquilo que queria ser revelado.
— Eu prefiro morrer do que ficar sem a bola. — ele sussurra como se estivesse com medo de que alguém o ouvisse admitir.
— Não seja dramático Thales, você não vai reprovar, eu não vou permitir. — forço minha voz a parecer mais forte do que realmente sou.
Ele ergue o rosto e um breve sorriso surge em seus lábios enquanto ele olha para mim, sinto meu estomago se revirar porque não consigo parar de pensar em como me sinto mal quando ele não está comigo. 
— Não sei o que faria sem você. — ele admite e sorrio sentindo meu coração bobo disparar no peito.
— Nada, você não viveria sem mim. — brinco e Thales ri parecendo mais leve.
Ficamos mais um tempo em silencio, como se estivéssemos nos escondendo de alguém, do futuro, da escuridão, da vida.
Me aproximo dele e deito minha cabeça em seu ombro, ele apoia a sua bochecha sobre meus cabelos. Thales está tremendo e sei exatamente o motivo para que estejamos aqui agora.
Não tem nada a ver com desculpas, nem com a escola, não tem nada a ver com o futebol. Isso sempre acontece quando as coisas na sua casa ficam muito difíceis.

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Não tem jeito melhor para começar a semana do que com capítulo novo.
E esse é particularmente especial, Thales está no limite, Ayla e Duda não tem maturidade para lidar com o comportamento explosivo e auto destrutivo do amigo e parece que tem alguma coisa grave acontecendo com Thales, grave o suficiente para que ele afaste até mesmo as pessoas que ele ama.
Isso é um sinal de que algo errado está acontecendo e infelizmente,  as vezes não somos capazes de enxergar as dicas,  mesmo quando estão bem debaixo do nosso nariz.

Então é isso pessoal, espero que gostem,  deixem suas estrelinhas e comentem muitooooo, vamos encher essa história de carinho.
Thales e Ayla merecem!

Beijos a todos e uma ótima semana ♡♡

Um Milhão de Promessas - DEGUSTAÇÃO Where stories live. Discover now