CAPÍTULO 7

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*** capítulo sem correção ortográfica ***

Thales

Um garoto passa seu braço em minha cintura, tentando me parar, giro o corpo me desvencilhando de seu toque e continuo rumo ao meu objetivo, hoje quero fazer um gol. Ouço vozes gritando a minha volta, sinto o cheiro da terra batida, tão familiar para mim, me enchendo de energia, prevejo os passos do garoto a minha frente, ele é desleal e já me machucou outras vezes, mas hoje ele não vai conseguir. Pulo no momento em que ele tenta me parar com uma perna mal intencionada, acelero o passo, guio a bola para o lugar onde a quero, driblo um, dois, ouço meus companheiros me pedindo o passe, mas hoje somos eu e ela, apenas nós dois. Temos uma missão e vamos cumprir, mesmo que a responsável por meu desejo de realizar esse gol não esteja presente para vê-lo.
Dou um chapéu no moleque de cabelo esquisito e olhos arregalados que me vê chegar, meu coração bate com força no peito, a adrenalina me faz flutuar, é como se tudo a minha volta estivesse em câmera lenta, tenho total domínio dos meus passos e da bola a minha frente, agora somos apenas eu e o goleiro, olho para ele e tenho certeza absoluta que sei para onde ele vai cair, como se pudesse prever o futuro, então passo a bola para o pé esquerdo e chuto.
A bola soca o fundo da rede balançando-a e fazendo o meu coração explodir no peito, é por essa emoção que vivo, é esse o sentimento que me faz respirar, é o melhor momento da minha vida, o lugar onde me sinto eu mesmo. Olho para o céu e agradeço a Deus, meu ritual de todas as jogadas, eu o agradeço porque ele me deu um dom, e mesmo que eu nunca venha a ser um grande jogador, ele é meu e ninguém pode tirá-lo de mim. Sinto o impacto em minhas costas e sou jogado no chão por Duda que grita em meu ouvido, em segundos sou coberto por moleques suados e eufóricos, meus companheiros, tão felizes como se estivéssemos em uma final de copa do mundo e sorrio satisfeito enquanto eles gritam meu nome.
"Esse foi em sua homenagem Ayla, feliz aniversário."

***

- Não vi ele no campo essa tarde. - Duda fala enquanto caminha ao meu lado. Hoje ele está calado, não jogou tão bem como de costume e isso o deixa puto. Meu amigo não aceita perder, não aceita terminar um jogo sem fazer ao menos um gol e hoje foi um desses dias. Já eu não dou a mínima, tudo o que eu quero é jogar, mas hoje fiz quatro gols. Todos para ela.
- Ele quem? - pergunto tentando não parecer tão eufórico, faz tempo que não me sinto assim, uma agitação boa invade meu peito e sinto que quase posso sorrir. Tenho a impressão de que todos são capazes de notar meus sentimentos, evito olhar em sua direção, tento controlar meu coração, fingir que não sinto, algo que sou bom em fazer.
- O olheiro. - ele responde, parecendo irritado porque não estou prestando atenção.
- Duda não tem nenhum olheiro cara, eu já te disse para parar de ficar criando ideia.
- Claro que tem, é para nós que ele tá olhando, eu sei.
- Seu pai vai tentar te colocar em um time bacana, você vai ter a sua chance. Esquece essa porra de olheiro.
Duda não é rico, mas ser filho único dá a ele vantagens que a grande maioria dos moleques do nosso bairro não tem, uma delas é um bom investimento do seu pai em seu sonho. Seu futuro já está planejado e logo ele vai dar o fora daqui.
- Eu inscrevi a gente para o torneio. - ele fala ignorando o que disse enquanto morde o canto da unha.
- Eu havia me esquecido dele. Quando começa? - sinto a excitação encher minhas veias quando penso no torneio de várzea, esse ano não conseguimos participar, perdemos a data de inscrição, é a única chance que moleques fodidos como nós temos para sermos vistos de verdade. Estamos ficando velhos e talvez essa seja a minha última chance.
Sinto uma sensação estranha, como se meu fim estivesse próximo, como se não houvesse nada após isso, porque no fundo eu sei que não há. Jogar bola é tudo o que sei fazer. Fora isso o que me resta é o grande e assustador nada. Se eu não conseguir... Jesus, não posso nem pensar nessa possibilidade sem que eu sinta minha garganta fechar
- Em janeiro eu acho, o Pablo vai nos falar, foi ele quem nos inscreveu.
Meu coração afunda no peito quando ele fala, penso em contar a Duda que em janeiro provavelmente não estarei mais jogando bola, meu padrasto já me disse que se eu não passar, ano que vem ele vai dar um jeito de me colocar para trabalhar com ele, isso significa que eu não terei mais tempo para nada, principalmente para a bola.
- Legal. - me limito a responder.
- Precisamos de umas chuteiras novas. - ele aponta para a sua e olho para a minha, não sei se isso pode sequer ser chamado de chuteiras, mas é melhor do que jogar descalço. Sei que Duda não faz por mal, é difícil ver a miséria quando ela não faz parte da sua vida e graças a Deus, meu amigo não faz ideia do que é viver como eu.
- É, vamos ver o que a gente consegue.
Duda passa o resto do caminho sonhando com o que vai comprar quando for um jogador famoso, algo que adoramos fazer, mas hoje eu apenas o ouço tentando podar meus sonhos, sei que não chegarei tão alto. Se as coisas não começarem a melhorar para mim rápido, não chegarei a lugar algum. Não vou aguentar mais por muito tempo.
Quando chego em casa ainda é de tarde e me arrependo por não ter ficado para mais um jogo, fins de semana são os dias que mais detesto porque na grande maioria deles, Sandro está em casa e onde ele está eu nunca estou.
Antes eu passava meus fins de semana com Ayla, ela sempre arrumava alguma coisa para a gente fazer com os gêmeos, aos domingos assistia futebol com seu pai e passava as noites ouvindo o barulho das folhas dos seus livros sendo viradas enquanto ela lia e me contava o que estava acontecendo na história, mas isso é passado e embora tenha sido apenas um mês desde que não estamos nos falando mais, sinto como se fosse muito mais tempo. Uma vida inteira.
Sinto sua falta. Mesmo que eu a veja todos os dias na escola, mesmo que ela ainda esteja indo ao campinho a pedido de Duda, eu sinto falta de contar minhas coisas para ela, de olhar em sua direção depois de uma jogada incrível, de ouvir ela pegar no meu pé por causa dos estudos, sinto falta de estar perto dela.
- Thales! - ouço meu nome e me viro, Milton está atravessando a rua, em minha direção. Olho para os dois lados torcendo para que ninguém apareça e vou até ele impedindo-o de se aproximar da minha casa. Não quero ele lá.
- Oi. - digo ainda caminhando para mais longe, como se estivesse indo a algum lugar e rezando para que ele não me peça para voltar. Milton caminha ao meu lado, as mãos nos bolsos da sua calça, seus passos, maiores que os meus o obriga a caminhar devagar, ele é um homem grande, ao seu lado me sinto ainda menor e mais magro, mas não me sinto acuado, ao contrário, Milton me transmite uma sensação de segurança, algo que nunca encontrei na minha casa, nem em nenhum outro lugar.
- Como você está? - sua voz grave e poderosa não me causa calafrios, sua proximidade não me faz estremecer e quando ele olha para mim, não me sinto julgado.
- Bem.
- Semana passada nosso time se isolou na liderança.
- Uhum... - enfio as mãos no bolso do moletom.
- Sentimos sua falta. - ele fala, baixinho, sua voz suave e gentil agindo como um abraço. Meu coração se agita com essa confissão e viro o rosto, encarando-o em silêncio.
Não respondo, não quero falar com ele, não quero admitir que também sinto sua falta, todos os dias da minha vida, só quero ficar sozinho. Mas ele não vai deixar.
- Como tá o futebol? Estou pensando em levar os gêmeos na semana que vem para...
- Olha, não me leva a mal, mas eu preciso ir. - dou mais um passo ignorando-o, mas Milton me segura pelo ombro, sua mão firme em minha pele impedindo-me de fugir me causa arrepios e sem que eu possa evitar, me encolho, como se meu corpo estivesse acostumado a essa reação toda vez que alguém me toca. Talvez ele esteja.
- Ei filho, calma. - ele retira a mão imediatamente e me afasto enrolando meus braços em volta do meu estômago e evitando seus olhos. - Thales. - ele me chama, mas dou mais um passo para trás até que estou apoiado em um muro.
- Eu preciso ir. - digo novamente, dessa vez a voz falha e encaro o chão sentindo o ar escapar dos meus pulmões.
Milton não se aproxima e embora ele seja um homem grande eu nunca tive medo dele antes, não sei porque seu toque me assustou, eu sei que ele jamais seria capaz de me machucar, mesmo assim meu corpo reagiu e agora estou envergonhado.
- Filho. - ele me chama e sua voz tão familiar me deixa enjoado.
- Eu... - olho em volta desejando escapar, mas sem saber para onde ir.
- Ayla está preocupada com você. - ele fala e o som do seu nome agita algo dentro de mim.
- Eu estou bem.
- Vocês brigaram?
Ergo os ombros sem saber o que falar, quero dizer a ele que sim, que não quero mais falar com sua filha, mas é mentira e Milton me conhece o suficiente para saber.
- Thales, olhe para mim. - ele exige e obrigo meus olhos a encarar seus olhos, observo o rosto do homem que durante toda a minha vida foi o exemplo de pai que tive. a pele negra, tão parecida com a de sua filha, o cabelo curto, quase raspado, os óculos de aro que sempre deram a ele uma aparência de professor. - Você sabe que eu nunca te machucaria não sabe? - ele pergunta, bem devagar e não consigo responder, vejo seus olhos analisando o meu rosto, provavelmente capturando um hematoma suave em minha bochecha. -Filho...
Desvio o olhar e encaro o outro lado da rua, meu coração bate com tanta força que meu peito dói, no fundo eu sei a resposta, sei que ele não faria isso, mas algo me impede de verbalizar, como se não fosse capaz de confiar totalmente nele.
-Tem alguma coisa que você queira me contar? - ele sussurra, como se soubesse que tenho um segredo, sujo, feio. Volto a olhar para ele, meu corpo inteiro se arrepia diante da possibilidade dele descobrir.
Por um instante, enquanto encaro o pai da minha melhor amiga, imagino o que ele faria se eu contasse a verdade, vejo as palavras se amontoando em minha mente, o grito de socorro entalado em minha garganta, o medo a insegurança a falta de fé... ele não vai acreditar, ele vai pensar que sou um rebelde, que estou fazendo de propósito, que estou mentindo para prejudicar minha família. E se ele acreditar, o que ele vai fazer? Falar com minha mãe? Dizer que seu marido é um lixo?
Ela vai brigar comigo, depois vai contar para o seu marido e ele vai ficar furioso e vai vir até mim... meu estômago se revira novamente e agradeço por não ter nada dentro dele ou eu poderia vomitar aqui mesmo, bem na frente do Milton.
- Filho... - ele dá um passo para perto, seus olhos estão fixos em mim, o ar de preocupação faz uma fenda se formar entre seus olhos.
Quero vomitar, quero gritar, quero morrer.
Ele não pode me ajudar, ninguém pode.
- Thales fale comigo, você está passando mal?
- Me deixa em paz, eu tô bem. - tento escapar mais uma vez, mas Milton se coloca na minha frente. - Me deixa ir. - digo rispidamente e pela primeira vez em minha vida sou mal educado com ele, isso me deixa ainda pior, Milton não merece, mas não posso ficar aqui, se continuar eu vou desabar e não posso fazer isso. Simplesmente não posso.
Ele dá um passo para trás, depois outro e outro e então posso respirar, mas não me movo.
- Eu vou deixar você ir. - ele continua, como se estivesse falando com um bebê. - Só quero que saiba que não importa o que esteja acontecendo, você não está sozinho, nunca, eu estou aqui, a qualquer hora, do dia ou da noite, minha casa sempre está aberta para você. - ele se inclina um pouco para olhar dentro dos meus olhos, eles ardem de vergonha e tristeza. - Você me entendeu?
Olho para ele por apenas um segundo, quero dizer que sim, mas não acredito em suas palavras, ele não acreditaria em um moleque, no fundo, a palavra da minha mãe será mais forte que a minha. Então não digo nada, apenas afasto seu braço e passo por ele, cambaleando para o fim da rua, sem saber exatamente onde estou indo, apenas me afastando o máximo que posso, me escondendo, para que ninguém possa me ver.
Então eu choro.

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Sexta Feira!!!!
Essa semana passou tão rápido e eu estou tão feliz em ver todas as mensagens que Um Milhão de Promessas está recebendo.

Esse capítulo é muito importante porque sei que aqui no wattpad tem leitores de todas as idades, talvez, em algum lugar, exista alguém passando por algo semelhante, o melhor a fazer é comunicar a um adulto de confiança assim como a Ayla fez a seu pai, a informação é importante para que o adulto saiba como agir, no caso de Thales, a vergonha e o medo o impediram de contar a Milton o que está acontecendo, mas o pai de Ayla está de olho.

Então é isso pessoal, espero qie estejam gostando, um beijão e bom fim de semana a todos!

Não deixem de votar e comentar.
E não esqueçam de convidar o pessoal para ler. Em 2 mil leituras teremos capítulo extra

Um Milhão de Promessas - DEGUSTAÇÃO Where stories live. Discover now