CAPÍTULO 4

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*** capítulo sem correção ortográfica ***

Thales

Não há nada pior do que não ter um lar para voltar quando se está cansado.
Eu tenho uma casa, paredes que me protegem do frio e um teto que deixa a chuva do lado de fora, mas não é um lar. Não me sinto bem nela, não há amor, não há paz e nem mesmo segurança, então faço tudo o que é possível para me manter longe. O máximo de tempo possível.
Depois de deixar Ayla em casa, volto a caminhar pelas ruas escuras e sombrias do bairro onde moramos, não tenho medo das coisas que vejo, aprendi a algum tempo que o perigo de verdade mora dentro da minha casa, no lugar onde eu deveria estar protegido. Não me incomodo com as pessoas que se escondem nas sombras, não me impressiono mais com os carros caros que passam sem realmente olhar em volta, se o fizessem veriam um garoto franzino mancando na calada da noite pelas ruas porque simplesmente não pode voltar para a casa onde vive.
Há uma briga na esquina, não preciso me aproximar para saber que há drogas e dinheiro envolvido, embora tenha apenas treze anos, sei o suficiente para compreender que aqui a jogada é ser invisível, e isso eu sei fazer muito bem. Infelizmente as regras da rua não podem ser aplicadas no lugar onde deveria ser meu lar, lá eu não consigo ser invisível.
Desde que minha mãe se casou novamente não tenho paz, seu marido não passa de um bêbado arrogante que acha que manda em mim, mas ele não manda e pago um alto preço por não me curvar as suas vontades.
As palavras de Ayla continuam circulando por minha mente, eu sei que ela nunca vai me deixar, sei que ao lado dela eu posso respirar, posso relaxar e até mesmo sorrir, fingir que somos apenas crianças brincando, mas por mais que ela tente, nunca vai conseguir me salvar de todas as merdas que envolvem a minha vida.
Ela é suja demais.
É mais fácil eu acabar sujando minha amiga com todas as minhas merdas.
Às vezes me pego invejando o Duda, ele parece sempre feliz, confiante, inteligente, não é o melhor, mas ele consegue parecer, com sua confiança e arrogância, ele parece capaz de conquistar tudo o que deseja, as vezes me esqueço que temos a mesma idade, ele parece mais velho, mais sábio, mais corajoso. Mais inteiro do que eu.
Nesse momento enquanto me lembro da forma como ele comemorava o último gol e depois como se exibia para Ayla como se fosse a coisa mais importante do mundo, percebo o quanto eu daria para ser ele e isso dói, quase tanto quanto o punho do meu padrasto ou as palavras da minha mãe.
Afasto esses pensamentos da minha cabeça, estou com raiva, com dor e cansado e Duda é meu amigo, eu não devo inveja-lo e nem ter raiva dele, ele não tem culpa da vida de merda que eu tenho, nem da sorte por ter um pai e uma mãe que o proteja do mundo, ele, assim como eu, não escolheu onde nascer e nem merece pagar por meu azar. De acordo com Ayla, eles passaram a tarde atrás de mim e sei que ele também se preocupa com minhas merdas, mesmo que ele não faça ideia do que elas são de verdade.
Ando por mais uma hora, até que esteja cansado demais para ouvir as brigas que acontecem todas as noites na minha casa entre minha mãe e seu marido e possa dormir sem me meter, geralmente eu acabo pagando, não suporto vê-lo levantar a mão para ela ou fazendo minha irmã chorar, mas ela o aceita assim e tudo o que preciso fazer é me manter o mais afastado possível e isso significa, tentar não ouvir suas brigas. Algo difícil naquela casa.
Quando volto as luzes estão todas apagadas e respiro aliviado, minha barriga dói de fome e estou com tanta sede que mal consigo engolir a saliva, meus pés parecem pesar uma tonelada e lamento porque sei que não vou poder jogar bola por algum tempo. Jogar é tudo o que tenho, é minha alegria, minha paz, meu mundo, quando estou no campo não vejo ninguém, não ouço ninguém, apenas os meus pés e o som da bola rolando, é o único momento da minha vida em que me sinto alguém de verdade, e saber que ficarei afastado por causa de uma bobagem de um joelho machucado me deixa com raiva.
A porta da cozinha está encostada como sempre, ele nunca a fecha e se fecharmos ele grita conosco, as vezes acho que é para que ele possa fugir com facilidade caso algum dia precise e esse pensamento me faz estremecer, temo por minha mãe e por minha irmãzinha, sei que ele nunca fez nada com ela, ele parece amar sua filha, mas não confio nele e estou sempre de olho. Eu o mataria se ele sequer tocasse em um fio de cabelo da minha irmã. Passo pela porta e entro devagar, mas não sou silencioso o suficiente já que ele está sentando a mesa como se estivesse me esperando.
— Onde diabos você estava a essa hora? — sua voz embargada pelo álcool me enoja e não respondo, apenas pego um copo na pia e encho de água bebendo-o de uma vez. Ouço o som dos seus passos se aproximando e não consigo impedir meu coração de disparar no peito.
— Estou falando com você seu marginal. — ele grita mas mantenho-me calado, com raiva de mim por ser um covarde e não o enfrenta-lo. — Responda! — o tapa que ele dá em meu rosto é o suficiente para que o copo voe da minha mão e se estilhace no chão.
Preciso me apoiar na borda da pia para não cair, o mundo gira a minha volta e sua voz se torna um zumbido alto. Seus punhos se fecham em minha camiseta e sou erguido até a altura dos seus olhos injetados de álcool e raiva.
— Quem você pensa que é para achar que pode sair por ai sem dar satisfação? — ele continua fazendo perguntas, mesmo sabendo que não irei responder, eu nunca respondo. — Eu estou cansado de você moleque maldito. — ele cospe as palavras em meu rosto.  — Você está metido com drogas? — ele me cheira como se pudesse encontrar alguma coisa errada em mim, mas a verdade é que tudo o que ele pode sentir é o cheiro do meu ódio e do meu medo.
Não respondo, ele sabe melhor do que ninguém que eu não estou, afinal de contas, ele é o viciado nessa casa, sei que ele faz isso para assustar minha mãe , ele enche a sua cabeça com ideias sobre o porquê não consigo estudar, as vezes é a bola, as vezes é porque sou burro ou estou me drogando, que é  por isso que não aprendo, por isso que minha atenção está sempre dispersa e tudo o mais que ele pode fazer para me afastar dela. Infelizmente ela acredita em tudo.
— Responda seu filho da puta! — ele me chacoalha no ar e sinto que posso vomitar a qualquer instante, a região onde ele me bateu começa a pulsar.
—  O que está acontecendo aqui? —  minha mãe chega na cozinha com os olhos arregalados e os braços cruzados e pelo seu tom de voz não preciso me esforçar para saber que ele já encheu a sua cabeça com mais merdas sobre mim. —  Posso saber onde você estava Thales? —  ela exige como se não percebesse que seu marido está quase me sufocando com a gola da minha camiseta.
— Esse moleque tá aprontando alguma merda, eu tenho certeza. — ele continua gritando na minha cara.
— Ah meu Deus Thales, de novo isso. Porque? — ela passa as mãos na cabeça e sinto vontade de chorar por ela sequer perguntar para mim se ele tem razão, ela nunca perguntou, nunca duvidou do que ele diz, a sua verdade é absoluta e eu não tenho a menor chance contra isso.
— Não se preocupe, amanhã mesmo vou falar com os caras lá da boca, eles vão me contar quem tá  fornecendo merda a esse moleque.
Filho de uma puta!
— Eu não mereço isso. — minha mãe choraminga e sinto raiva dela.
Nesse momento sou puro ódio e mal consigo respirar tamanha a minha vontade de gritar com ela por ser tão idiota.
— Ainda por cima brigando na rua? — ele aponta para o hematoma em meu rosto, como se não soubesse que foi ele mesmo que o colocou ai.
Ergo minha mão e tento afasta-lo, quero revidar, esbofetear a sua cara suja, mas não faço nada, nem digo nada, apenas me concentro na raiva que cresce dentro de mim enquanto sua mão se ergue mais uma vez para acertar o outro lado do meu rosto em um tapa mais leve, como se estivesse apenas me repreendendo.
— Olha o que você está fazendo com a sua mãe seu merdinha. — ele me chacoalha enquanto ela chora, continuo calado, a fúria inflando meus pulmões, me sufocando, me esquentando. — Na minha casa eu não admito bandido está ouvindo? — ele grita.
Meu rosto arde.
Meu coração infla.
Minha alma dói.
— Onde você estava Thales? — ela pergunta com a voz chorosa. — Isso são horas de um garoto da sua idade chegar em casa? — ela aponta para o relógio e me surpreendo ao ver que são quase três da manhã, não percebi que havia demorado tanto, eu só queria ficar em paz, descansar em silêncio, só queria a certeza de que não precisaria olhar para a cara do desgraçado que ela colocou no lugar do meu pai, mas não adianta falar isso, ela já foi envenenada e nada do que eu disser vai mudar a forma como ela pensa de mim.
— Não se preocupe Janaina, amanhã eu vou passar o pente fino nesse bairro e vou descobrir com quem esse moleque está metido.
— Eu não te criei para isso Thales. — ela começa a lamentar, me sinto mal por ela achar que eu poderia fazer algo assim, se ela ao menos me conhecesse. Se olhasse para mim, se me notasse como Ayla, ela saberia quem está falando a verdade aqui.
—  Eu estava com a Ayla. —  digo olhando para minha mãe na esperança de que ao menos uma vez na vida ela acredite em mim, mas assim que nossos olhos se encontram ela desvia o olhar como se não fosse mais capaz de encarar meus olhos.
Ainda sou eu mãe, quero gritar. Ainda sou seu filho.
— Mentiroso, até parece que o Milton deixaria a filha dele com um marginal como você até essa hora. — ele grita e tenho certeza que eles podem ouvir a briga do outro lado da rua.
— Eu não minto, ao contrário de você. — respondo e ele me joga no chão com tanta força que bato a lateral do meu corpo da ponta da mesa e urro de dor quando caio, a dor é tanta que tenho a sensação que vou desmaiar, mas não choro, não na sua frente, ele não vai me ver chorar, me arrasto até apoiar minhas costas na parede enquanto minha mão continua falando sobre não merecer um filho como eu e onde ela errou comigo, não me movo, não me defendo, não desminto nada do que eles dizem, apenas me afasto de toda essa merda, levo meus pensamentos para o campo, para a bola, para a garota de cabelos cacheados e pele da cor de chocolate que me conhece o suficiente para que sinta a minha dor e enquanto eles gritam, eu juro a mim mesmo que isso não será para sempre.
Um dia eu vou crescer e ele nunca mais vai tocar em mim.
Um dia eu  provarei para ela que não sou o que ela pensa.
Um dia eu serei alguém.
Eu juro, em nome do ódio que sinto nesse momento, em nome da dor que enche meu coração e em nome das lágrimas que não permito que caiam, um dia eu serei alguém e vou provar quem está falando a verdade aqui.

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É pessoal! A vida de Thales não é fácil não,  há uma avalanche acontecendo dentro do peito desse garoto e tudo a sua volta está escurecendo,  nesse momento só há um ponto de luz, mas quanto tempo Ayla vai suportar lidar com tudo isso sendo tão jovem?
O que será que vai acontecer quando tudo desmoronar?
E o mais importante,  porque Thales não consegue contar para a mãe?
As vezes sem saber, abafamos a voz de alguém que precisa de coragem para gritar por socorro.
Talvez seja isso que falta em Thales... CORAGEM
Talvez ele seja jovem demais ou talvez, ele já não tenha mais forças para gritar.

Capítulo tensooooo, mas super necessário para a gente conhecer um pouquinho da dor desse menino.

Então é isso pessoal, contem aqui para mim o que estão achando,  não deixem de dar a estrelinha e de convidar os amigos para acompanhar nosso casal.

Isso é só o começo,  tem muita coisa para acontecer...

Beijos e bom fim de semana!!!

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