Prévias Temáticas: Drama

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Porém, humanidade é lapidar defeitos, progredir diante e apesar das imperfeições”

Pág. 641.

 

Eles também têm bagagem...

 

“Márcia: Não fala assim comigo, Daniel! Eu me entendo com a minha filha! (dirigiu-se à estante, onde fingiu estar concentrada em organizar os livros)

Dan: Que filha? A que você vê uma hora por dia pra dizer “mamãe vai fazer hora extra”?

Márcia: Abaixe o tom! Sou sua mãe! (intentou soar enérgica, ainda que fosse impossível não despedaçar sob a fachada endurecida)

Dan: Até os treze! Minha mãe morreu com o meu pai! (rebateu em voz alta, trazendo à tona tudo o que havia sido negligenciado até então): O pior de tudo é ter sido criado por você e saber a mãe maravilhosa que você era; saber o que a Jackie poderia ter e não tem! Você não é nossa mãe! É a provedora desta casa e só!

Márcia: Sem mim, vocês não teriam nada! Não ia ter dinheiro nessa casa! (aproximou-se com os olhos marejados, no intento de se justificar para ele e, principalmente, para si mesma)

Dan: Ótimo, então, passa no mercado e me compra apoio psicológico, carinho maternal e instrução pra eu dar pra minha irmã! (segurou-lhe a mão direita assim que percebeu que a mãe se esforçava para erguê-la em ameaça): Bata na minha cara e nunca mais vai olhar pra ela!”

... Nem sempre superam as mazelas do próprio passado

 

O que mais se poderia esperar após essa calamidade conjugal? Uma morte, no mínimo, ou uns ossos quebrados, quem sabe. Se bem que a dignidade, esta sim irreparável, já estava mais fragmentada do que pedra moída à beira do cais. A rachadura rangia inóspita a reparos, dando a certeza de que, por mais panos ou cola quente que se pusessem sobre ela, a mácula seria eterna.”

Eles deixam saudades...

 

“[...] A música foi ficando mais aguda na mesma proporção em que o turbilhão de flashes assombrava o guitarrista, aprisionando-o no pretérito. Ju retomou as notas graves na esperança de que, desta vez, fosse capaz de despertá-lo, mas era tarde demais: voltaram as borboletas, o mundo girando e despedaçando, o fio que o ligava a Marcos partindo na fragilidade do tempo. Podia se ver correndo em direção ao pai, porém o chão desaparecia bruscamente sob os seus pés, lançando-o, em queda-livre, na penumbra da solidão. O aperto crescia como uma gigantesca onda que bagunçava tudo e afogava quem estivesse pela frente; Dani estava pela frente. As palavras “última vez” e “nunca mais” repetidas como lavagem cerebral. As pernas perdiam a força, ia ficando sem ar... ficando sem ar... lembranças de todos os treze anos com o pai... ficando sem ar... todas sumindo, uma a uma, até deixá-lo vazio por inteiro, indefeso ao buraco negro que insistia em sugá-lo de dentro para fora: dor de arrancarem um pedaço de si; da ansiedade de compartilhar vitórias e derrotas, e não ter mais o seu refúgio; de sentir concreto pela ausência abstrata de matéria física, de calor humano. Dor de quem sente saudade e tem certeza do quão impossível é o reencontro; de arrependimento de tantas coisas a dizer, que o tempo não deixou que fossem ditas; de angústia pela vontade de chorar e não poder mais se apoiar no velho ombro amigo... ficando sem ar... tudo girando... a guitarra antiga despencava em câmera lenta, anunciando o fim da longa viagem que durou apenas alguns minutos. Dani perdia os sentidos e caía em convulsão nos braços de Júlia; dissolveu-se, enfim, a conexão temporal com o presente. […]”

 

... às vezes, até demais

 

“[...] queria dizer tanto, mas nada mais emitia. A faringe se fundia à laringe em uma barreira de contenção; implodia. As pestanas se agitavam em batidinhas, sinal que comunicava à compostura que era hora de se render. Voltou no tempo, reencontrou-a, viu um menino bobo ao seu lado que chorava como nunca: ele mesmo. Sincero em sentimentalismo, mas menino. Talvez porque a sua instabilidade lhe fosse infância, talvez porque as certezas dela lhe fossem mulher demais. Só sabia que naquele pranto, de alguma forma, tinha o alento de ter-se unido a Michele por pelo menos mais uma vez”

Mas nunca perdem a esperança de enveredar pelo caminho certo...

 

Remoía a cada instante as dimensões da mágoa que havia enraizado nele e não podia deixar de se odiar nessa nova versão de Naty, em idênticas proporções. Manobrou mal ao afastá-lo e o tornou inacessível, era este o resumo do feito. Objetivava tanto a distância do amor não correspondido que não atentou à guarda da amizade, o seu maior motivo para se portar daquela maneira estúpida. Não podia mais conviver com isso, permitir que aquele fim se consumasse por falta de bravura a incentivar o seu proceder. Não diante de uma causa tão nobre: redimir-se; ou de uma tão egocêntrica, porém igualmente válida: suprir aquele vácuo que a corroía só de cogitar nunca mais tê-lo por perto. Tendia à compensação do "eu". Sorte que, não obstante, a solução mais acertada a ambas as hipóteses lhe parecia ser a mesma: contar a verdade, revelar o que sentia até a última partícula de confissão para ao menos ter a chance de que ele a perdoasse. E como queria o que fizesse!”

Sinfonia - Destino Trocado (vol. 1) COMPLETO!Where stories live. Discover now