Capítulo 3 - Não me DESCUBRA

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AVISO DE GATILHO.
O capítulo a seguir conta com cenas focadas em transtornos psicológicos, tais como: depressão, ansiedade e o TOC.
Tais cenas podem gerar crises, por isso, peço que leiam com cuidado e tenham consciência de seus limites.

Obrigada pela atenção,
Boa Leitura!

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Não cumprimentou de volta os admiradores, ou estendeu a mão para que eles a tocassem. Não poderia correr o risco de sujar suas luvas brancas de algodão à toa. Sim, era um modelo renomado — sabia disso — e tinha um dever com o público, mas, acima disso, tinha um dever consigo mesmo, com sua sanidade mental. Pediu desculpas em sua mente para eles e acenou levemente, mandando um coração com o polegar e o indicador. Por alguns momentos, desejou que seu rosto não estivesse impresso em tantos meios de comunicação, para que assim pudesse passar batido em meio à multidão. Sentiu seu hálito fresco, havia escovado os dentes até eles sangrarem, provando o sabor de ferrugem na sua boca por conta das aftas — tinha escovado os dentes seis vezes antes de sair de casa, mesmo assim, ainda os sentia sujos.

O fotógrafo o elogiou 27 vezes, uma média de 3 cliques a cada elogio, tirando no mínimo 81 fotos. Adams não sabia o número exato, havia parado de contar entre um flash e outro e isso o causava enjoo — não saber das coisas o causava enjoo. Suas mãos suavam bastante, fosse pelo calor das luvas de algodão, fosse pela ansiedade que o preenchia por dentro. Pediu uma pausa para beber água e passou álcool no bico de sua garrafinha antes de beber. Escutou algumas pessoas rindo pelo seu excesso de cuidado, mas o que poderia fazer? Era um modelo, não podia arriscar ficar doente ou algo parecido.

Contou até 11 para não causar tumultos, não queria brigar. Parou em um número primo de propósito, para ver em quantos segundos sua mente terminava a contagem.

Doze, treze, catorze (...), vinte. Demorou exatos dois segundos para que sua mente se focasse em continuar a contagem.

Sales, chamaram. Sales. Era esse seu nome. Ou melhor, era o nome de alguém e esse nome passou para ele, assim como passaria para o filho, caso tivesse um dia — o pensamento foi refutado. Não queria ter.

Demorou para responder, não por descaso, mas por consciência. Sales. Um sobrenome que um dia pertenceu a alguém.

Pousou, sorriu, deixou que o corpo caísse para o lado e seus lábios se modificassem. Ótimo, Sales.

Ele tinha nome, mas, na maioria das vezes, fingiam que não. Fingiam que era benção, quando era maldição.

E às vezes era garoto, na maioria delas, ninguém. Não é que não tivesse nome, tinha, tinha nome demais. Um nome rico que um dia o chamaram, só que, desde que o mundo se tornou menos mundo, esqueceram e passaram a tratá-lo assim, como se quisessem substituir alguém com sua presença — de fato queriam e não seria o jovem que iria se opor. Escutou alguém chamá-lo.

Virou rápido demais, até mesmo se surpreendeu. Raros o chamavam pelo nome, raros o tratavam como independente ao invés de ramificação.

Adams Sales.

Um nome tão querido que era inquerido por quem lhe possui.

Por azar do destino, foi então obrigado a retirar suas luvas — não porque queria, nunca queria. O fotógrafo apenas insistiu que suas mãos eram bonitas demais para ficarem escondidas. A única coisa que era dele foi retirada, normal. Estava acostumado. No começou, relutou, mas o homem insistiu dizendo que precisava, mesmo que de fato não precisasse, então cedeu. Estava acostumado a ceder e perder. À medida que os flashes saíam da câmara profissional, sua cabeça enlouquecia e a praça verde girava, tomando novas cores e formas. Pediu uma pausa após 27 elogios — acreditou que aquele fosse um bom número — e escutou a produção resmungar de como estava insuportável hoje. Era insuportável todos os dias, quis retrucar, mas se calou e acatou. Pausou o ensaio e pegou uma toalha que guardava na bolsa, segurando o álcool em gel com ela e botando-o nas suas mãos, porque, de tanto tocar nas coisas da praça e na modelo que o acompanhava, as sentia sujas. Respirou o cheiro do líquido, sentiu-o em seu corpo, o frio era agradável naquela manhã quente. Estava nojento, queria acrescentar.

Não me TOC [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora