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Sentados juntos na escada, o casal repousava as costas na parede. O rapaz, um jovem de cabelo por volta dos tons de um louro escuro, quase que castanho, forjava um semblante de paciência. A menina, tão jovem quanto, deixava que os seus fios quase que negros decorassem o caderno que segurava com firmeza. Linhas e pontos, papel.

Uma arte feita com a alma, um olhar desenhado com cuidado, traço por traço. Sem saber, desenhava o que pensava ser seu amado.

A blusa, na arte, era florida. Nada dos casacos que o menino costumava usar para esconder as marcas no braço — aliás, não conte a ninguém sobre elas, os hematomas eram segredos de um só. Marina, o nome da acompanhante, tinha conhecimento deles, mas evitava entrar no assunto. Segredos trazem dor quando são expostos.

Além do mais, Adams, o garoto bonito ao seu lado, não sabia que tal amiga os via. Nunca soube de muitas coisas, remexia o mínimo, amava o mínimo, vivia no mínimo. Com o olhar falso de calma que agora ostentava, a diferença é que este, era quase que verdadeiro. Por alguns instantes, seus olhos quase que se fechavam por tranquilidade, quase. O medo é cicatriz eterna na alma de alguns.

Voltando a estudante que o acompanhava, ela abaixou seu caderno, fazendo-o rir pela expressão que deixou surgir em seu rosto. Um levantar de sobrancelhas, um franzir de testa e as forma que as duas mãos formaram um quadrado, apontando para a face do modelo — pois, sim, era um modelo — e procuravam o foco como se fosso fotógrafa profissional.

— Você é bonito de perfil.

Um sorriso brincalhão surgiu nos lábios de quem tanto brilhava com olhos verdes.

— Isso foi uma cantada? — retrucou. — Sou bonito sempre, se quer saber.

E recebeu de volta um sorriso de quem amava rosa.

Um sorriso de quem era flor, delicada e forte, com seus espinhos.

— Ora, quem seria eu para cantar alguém tão humilde? — debochou a acompanhante, encostando o lápis na ponta da boca e a abrindo, fingindo perplexidade. Não estava surpresa. Nenhum dos dois estavam.

Marina era muitas coisas e todas essas combinações faziam dela uma pessoa perfeita na visão do outro, talvez, tanto idealismo fosse tóxico. Para Adams, a garota foi droga: vício. Conheceram-se em um tempo, em outro viraram próximos demais para serem mantidos distantes, agora, passavam os intervalos a debater moda e a brincarem de musa e poeta, ou melhor, obra de parte e pintora.

A garota dizia que gostava de desenhar os seus olhos, o reflexo que eles traziam e a beleza que ostentavam, pareciam do mundo, da natureza, pareciam libertos. Verde sempre pareceu uma cor grande demais para lugares pequenos, se verde era floresta, o modelo era solo e nele a garota-flor florescia. 

— O que está desenhando, dessa vez? — Então mudou de assunto, como se a vergonha começasse a bater. Que constrangedor, pensou.

Era um Sales, seu pai o ensinara que não deveria ter vergonha em frente a nada, porém, algumas pessoas eram o tudo.

— Você em uma camisa rosa de flamingos. Ficaria bonito, não? — disse virando a imagem, uma negativa surgiu nos lábios delicados do amigo. — Qual é! Por isso que é modelo, não estilista. Zero censo de moda para você, Adams!

— Rosa não combina com meus olhos — replicou em um tom divertido, enquanto dava a deixa para que ela colocasse o caderno em outro degrau.

A escada, escondida por trás da quadra do colégio, era um de seus refúgios. Foi a amiga que a conheceu, foi o amigo que a escolheu. Parecia loucura que aquele ambiente fosse silencioso em meio aos gritos das pessoas no intervalo e, mais ainda, que ambos parecessem gostar do silencio que surgia entre o barulho do riscar nos papeis e dos sorrisos tímidos um do outro. Vez enquanto, Marina fazia vestidos, desenhava seu rosto, não fazia nada. O rapaz, que nunca confessava, gostava apenas de ser pego de surpresa. Apenas de ficar ali, naquela âncora em meio ao oceano, naquela liberdade segura.

Não me TOC [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora