Capítulo 1

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A noite finalmente caiu, silenciosa e traiçoeira, espalhando-se e reivindicando tudo ao seu redor com a sua familiar e temida escuridão congelante, exatamente da mesma forma que surgiu em todas as outras noites nos últimos tempos.

Sua chegada marcava o limiar em que o mundo deixa de pertencer aos homens e é reivindicado por milhares de seres sobrenaturais que, por uma infelicidade do destino, não conseguiram encontrar o seu rumo até a âncora que acolhe os espíritos em segurança, dentro da cidade de En'nalis, e passaram a vagar sem rumo por aí, sentindo-se perdidos e terrivelmente abandonados.

O caçador se encontrava há horas empoleirado, desconfortavelmente, sobre um galho duro, bem no alto de uma árvore, embrulhado em sua capa cinzenta e com o rosto coberto pelo capuz. Mesmo ainda sendo uma noite de outono, com a iminência da chegada do inverno, fazia muito frio na mata por onde ele havia perseguido as criaturas até ali, já nos limites da Floresta dos Sussurros, a sudoeste da cidade de Avadrin. O vento no alto da árvore era extremamente forte e cada rajada parecia açoitar seu corpo com uma espécie de chicote invisível, seguidamente e sem dar nenhuma trégua, transformando a sua tocaia em uma espera árdua e angustiante.

Nada disso parecia ser capaz de abalar a determinação do destemido caçador. Ele mantinha os olhos fixados atentamente na abertura por onde as criaturas entraram horas antes, como parecia indicar a trilha e os vestígios que ele havia investigado ao chegar naquele local. Provavelmente, elas alcançaram essa caverna assim que a noite anterior se foi e a luz pálida do dia de hoje chegou, ele pensou, porém, como já era noite outra vez, ele sabia que seria apenas questão de tempo para elas saírem do seu esconderijo e, enfim, conhecerem o seu destino. Sua força de vontade era impressionante e seu objetivo era um só: ele precisava eliminar as criaturas de qualquer maneira, mesmo sem ter a certeza do que realmente estava prestes a enfrentar.

Há cinco dias o caçador observava o rastro dessas criaturas, seguindo de perto a trilha de sangue e todo o caos deixado por elas para trás. A julgar pelo terrível estado dos corpos que encontrou ao longo do caminho, ele tinha algumas suspeitas do que estava prestes a enfrentar. Assim que se deparou com a primeira cena de carnificina, ele sabia que deveria achar os responsáveis pela morte das pobres almas que tiveram as suas vidas arrancadas por seres malignos, que não deveriam mais perambular pelo mundo dos homens. É o meu dever mandá-los de volta para onde nunca deveriam ter saído, ele pensou.

A grande maioria dos cadáveres encontrados apresentava imensas marcas de mordidas por toda a extensão de seus corpos, com grande parte da sua carne dilacerada e seus membros semidevorados ou completamente extirpados dos locais onde normalmente deveriam estar.

Em nenhum dos lugares onde o caçador encontrou os corpos pareceu ter havido algum tipo de luta. Estava claro que as criaturas chegaram de surpresa, atacando ferozmente e com uma fúria descomunal, sem dar nenhuma chance de defesa para as pobres almas desavisadas que ousaram permanecer ao relento quando a noite caiu. Não foi raro ele encontrar cadáveres com as tripas remexidas e os órgãos espalhados pelo chão em meio ao sangue, terra e folhas secas.

O último ataque foi diferente de todos os outros ocorridos anteriormente e o caçador logo percebeu isso. Nenhum corpo pôde ser visto, tampouco sangue ou algum membro arrancado e espalhado pelo chão. Ele quase não percebeu as pistas deixadas pelas criaturas quando ia passando direto pelo que parecia ser os restos de uma fogueira pequena e improvisada. Ao examinar com mais afinco, ele se deu conta das marcas no chão que, a julgar pelos tamanhos e formatos, pareciam ser de corpos arrastados pela terra, floresta adentro.

Pela primeira vez nos últimos cinco dias, o caçador teve alguma esperança de talvez encontrar alguém que tenha sobrevivido ao massacre causado pelas criaturas e seguiu a trilha durante o restante da noite. Seus passos foram leves e silenciosos, com movimentos extremamente meticulosos, uma vez que, de forma alguma, ele não pretendia fazer qualquer tipo de barulho que pudesse alertar seus inimigos da sua presença. O elemento surpresa era tudo o que mais desejava nesse momento e ele não estava nem um pouco disposto a abrir mão dele.

O Caçador MisteriosoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora