Capítulo 17

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Antes mesmo de abrir os olhos, o caçador já havia despertado, quando uma inesperada surpresa bateu à porta de Rasban, ao cair da noite. Ele não soube direito como, mas desconfiou que sua irmã tivesse algo a ver com isso, e se sentiu imensamente feliz por Arryn se preocupar tanto assim.

Ainda de olhos fechados, sem camisa e deitado confortavelmente na poltrona onde caíra no sono durante a manhã, o caçador falou:

— O que você está fazendo aqui, Adimus?

— O quê? Como? — Adimus bufou antes de continuar: — Raios! Você estava com os olhos fechados, como podia saber que era eu?

O homem que se encontrava sem camisa e deitado confortavelmente na poltrona, com curativos frescos espalhados pelo seu corpo, suspirou, profundamente, antes de responder com um tom de intensa insatisfação na voz.

— Eu não conheço mais ninguém que pise como um elefante ao andar como você faz, meu caro — o caçador respondeu ainda com os olhos fechados. — Mas isso não vem ao caso, pelo menos por enquanto. Achei que tivesse sido bem claro quando dei ordens para que você permanecesse em En'nalis.

— E foi! Eu estava cumprindo suas ordens à risca quando Arryn me encontrou e disse que você estava em perigo — Adimus pareceu meio confuso e jogou o peso do corpo de uma perna para a outra ao continuar. — Ela me implorou que eu viesse para cá o mais rápido possível para te ajudar, e mesmo não concordando com o pedido da sua irmã... bom, posso lhe dizer que ela sabe muito bem como ser persuasiva e aqui estou.

— E aqui você está — o caçador concordou muito a contragosto, desprovido de qualquer vontade de abrir os olhos.

— Sim! Ainda bem que sua irmã me convenceu a vir até aqui. Pelo pouco que pude ver até agora e considerando o estado em que você se encontra, tenho absoluta certeza que você precisa de ajuda — Adimus bateu com a mão em seu próprio peito e continuou: — Não se preocupe, meu querido amigo, eu estou aqui para lhe ajudar.

— Preciso? — indagou o caçador.

Rasban andava de um lado para o outro enquanto prestava atenção na conversa dos dois homens que chegaram sem convite a sua casa e que nem ao menos eram bem-vindos ali. Ele estava preocupado com a menina ferida, deitada em sua cama, e que cuidara com tanto afinco durante o dia inteiro. O velho fantasma sabia que dificilmente eles passariam incólumes pelos perigos que a noite de hoje traria, e isso o estava consumindo por dentro. Ele não admitia, em hipótese alguma, correr o risco de perder a pequena Arryn agora, não depois de todo o trabalho que tivera para salvá-la. Ele sabia que precisava fazer alguma coisa e foi então que resolveu se intrometer na conversa:

— Deixa de besteira, seu ingrato! Você sabe muito bem o que está por vir e obviamente nós precisamos de toda a ajuda que conseguirmos encontrar, mesmo sendo desse aí — o velho fantasma esbravejou enquanto apontava o dedo na direção de Adimus. — Então, pare logo com essa conversa fiada e levante-se. Precisamos estar prontos para agir quando eles chegarem.

O caçador pareceu ignorar tudo o que Rasban havia acabado de dizer ao voltar-se para Adimus e falar:

— Se você veio aqui para me ajudar, como acabou de falar, então conte-me, meu amigo, quem está protegendo a guardiã nesse momento?

O silêncio pairou no ar durante alguns instantes. Adimus parecia ainda mais confuso do que o normal. Ele olhou para o caçador, então desviou o olhar para Rasban e logo depois voltou a olhar para o caçador.

— Sua irmã está protegendo a guardiã - Adimus falou entredentes.

— Adimus, nós dois sabemos muito bem que Arryn não está em condições de proteger ninguém — o caçador enfim abriu os olhos, tirou as costas do encosto da poltrona e apoiou os cotovelos em seus joelhos. — Pare de tentar me enrolar e diga-me quem ficou com a missão que eu deleguei a você.

Apesar da rigidez inicial, ver Adimus parado ali, na sua frente, trouxe uma enorme sensação de felicidade, que imediatamente aqueceu o coração do caçador. Ele já não via o amigo há algum tempo, e mesmo não concordando com isso, não podia deixar de agradecer a sua irmã pela inciativa de mandá-lo até ali.

Adimus não mudara nada com o tempo. Ele parecia um gigante no alto dos seus 2,20m de altura e mais de 200kg de músculos, que mais pareciam toras de madeira nobre e bem prensada. Ele tinha a pele branca e sua cabeça era brilhante e reluzente, devido à falta de cabelos. Sua barba era grande e farta e seus olhos tinham uma cor acinzentada. Ele vestia uma cota de couro cosido por cima de uma túnica azulada, com uma capa, também de cor azul, presa às costas. Apoiado em seu ombro vinha o seu tradicional e enorme machado duplo. Duas bestas inseparáveis e sedentas por sangue, o caçador pensou ao vê-lo.

O gigante olhou novamente para Rasban, suspirou profundamente e deu de ombros ao falar com tom de pesar na voz:

— Daehena ficou incumbida de proteger a guardiã no meu lugar.

Ao ouvir aquelas palavras saindo da boca do Adimus, o caçador abaixou a cabeça e a balançou negativamente, já esperando pelo pior.

— Daehe... O q... quê? — exasperou Rasban na direção dos dois homens com vida no ambiente. — Não... não... não! Diga-me que você não fez isso, sua besta acéfala!

— Rasban... — Adimus tentou se explicar, mas o fantasma interrompeu com a sua fúria descontrolada.

— Como pôde fazer isso? Como foi capaz de deixar uma menina frágil e inocente responsável por fazer o seu trabalho sujo? Para que servem todos esses músculos se você não tem nada na cabeça, sua besta ignorante? — o fantasma gesticulou para todos os lados e levou a mão ao rosto quando terminou de falar. — Ela era... ela é tão... frágil.

— Rasban, sinto muito, já se passou muito tempo e você não sabe do que está falando — Adimus tirou o machado do ombro, pousou a parte com as duas faces metálicas no chão com um baque surdo e apoiou os braços no cabo de madeira ao falar: — Daehena não é mais uma garotinha indefesa. Ela sabe se virar tão bem ou até melhor do que qualquer um de nós. Acredite quando eu digo que ela não corre nenhum perigo.

— Quem é você para julgar que esse aí — Rasban apontou na direção do caçador e continuou a desfilar seu ódio aos dois — é mais importante que a Daehena a ponto de deixá-la correndo perigo no seu lugar para vir até aqui, às cegas, em seu auxílio?

— Rasban, não é bem assim...

— Basta! Vocês são seres egoístas e desprezíveis, que não pensam em nada além de suas próprias cabeças. Me deixem em paz! — o fantasma deus as costas para os homens e foi em direção à pequena Arryn, aos resmungos.

O caçador tornou a levantar a cabeça e falou:

— O velho não deixa de ter uma certa razão, meu amigo. Você sabe dos perigos que rondam a guardiã.

— Como eu disse, Daehena sabe se virar muito bem, além do mais, sua irmã está lá com ela, e a guardiã não sofre qualquer tipo de ataque há muito tempo.

Depois de respirar fundo e examinar seus curativos, limpos e recém-trocados, durante algum tempo, o caçador quebrou o silêncio.

— Isso foi antes dos Vormags reaparecerem, meu amigo. Agora arrisco a dizer que a guardiã corre mais perigo do que já correu em toda a sua vida até o dia de hoje.

— Vormags? — o gigante perguntou espantado. — Que raios está falando? Além dos ferimentos aparentes você sofreu alguma pancada na cabeça para falar algo tão sem sentido?

Ainda sentado na poltrona, o caçador franziu a sobrancelha ao disparar um olhar fulminante de repreensão para o seu amigo e balançou negativamente a cabeça, de um lado para o outro.

— Não, Adimus, não recebi nenhuma pancada na cabeça — o caçador pôs-se de pé, aproximou-se do gigante, colocou a mão direita sobre o seu ombro e com uma expressão mais branda, continuou. — Minha irmã não lhe falou nada sobre isso, não foi?

— Não!

— Foi o que eu imaginei — o caçador apontou para uma das cadeiras próximas à mesa e falou: — Sente-se, meu amigo. Vou lhe contar tudo o que aconteceu nesses últimos dias.

O Caçador MisteriosoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora