Capítulo 10

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Do lado de fora da caverna, a floresta parecia ainda mais escura e sombria do que antes. O caçador caminhou até a familiar árvore, onde ele permanecera por horas na sua vigília esperando as criaturas saírem de sua toca, e apoiou suas costas no tronco de madeira velha e descascada. O homem com a criança no colo estava bem ferido e sangrava por três lugares diferentes do corpo ao mesmo tempo, porém, não era isso que perturbava os seus pensamentos. Os ferimentos, apesar de incomodarem bastante, eram a menor de suas preocupações nesse momento. A menina desfalecida em seus braços e sofrendo com o veneno dos vormags era a única prioridade em sua cabeça e, mesmo relutante, ele sabia o que deveria fazer para salvá-la.

Apesar de não gostar muito da ideia, o caçador sabia para onde ele precisava ir e também sabia que deveria partir imediatamente. Se eu puder manter um ritmo veloz, apesar do estado precário da minha perna, consigo chegar na cabana do velho Rasban em algumas horas, levando em consideração que eu não encontre mais nenhum problema pelo caminho, o homem pensou consigo mesmo. Ele colocou a mão na testa da menina, depois puxou, suavemente, as pálpebras dela para cima, a fim de examinar seus olhos e, por último, deu uma boa olhada no ferimento. A febre ainda não chegou e isso é um bom sinal. O ferimento também não começou a infeccionar e isso significa que a criança é mais forte do que eu imaginava e deve aguentar por pelo menos umas dez ou doze horas antes de entrar em colapso. Isso é tempo suficiente para eu fazer o que preciso e salvá-la de um destino terrível, ele pensou mais uma vez.

Com o seu braço livre, o caçador pegou um odre de pele de cabra que estava preso à sua cintura e o levou, ainda fechado, na direção da sua boca. Usando os seus dentes para abrir o recipiente, o homem encapuzado tomou um longo e refrescante gole de água e, ao acabar de beber, agachou-se devagar, arrastando suas costas no tronco velho e descascado da árvore em que havia encostado. Com delicadeza, ele apoiou a menina em suas pernas e, bem aos pouquinhos, em intervalos curtos, o caçador despejou água na boca da criança, sem desperdiçar uma gota sequer. Ele sabia que precisaria mantê-la muito bem hidratada. Só assim seria possível retardar o efeito do veneno até chegar ao seu destino e esse odre era toda água que ele tinha disponível no momento, então, teria que dosar muito bem a hidratação da menina e ainda abrir mão de matar a sua própria sede durante as próximas horas, para ter chances reais de salvá-la.

As noites em Eldrathor são todas iguais, sombrias e traiçoeiras, repletas de criaturas das mais diversas formas, tamanhos e tipos. Todas, sem exceção, têm uma só característica em comum: são coisas ruins e representam o puro mal encarnado. A escuridão corrompeu completamente suas almas, devorando, profundamente, suas essências, removendo qualquer traço de bondade que um dia já tiveram em algum momento de toda a sua existência.

Da árvore onde se encontrava encostado, o caçador era capaz de ver diversas dessas criaturas espreitando ao seu redor. Espíritos errantes, fantasmas, aparições e demônios são alguns exemplos dessas coisas ruins que encaravam os dois nesse momento, com os olhos cheios de fome e pura maldade. Para qualquer homem normal, a luz, principalmente a do fogo, é a melhor maneira de manter as criaturas afastadas, mas como o caçador estava a léguas de ser apenas um homem normal, sua presença era suficiente para manter qualquer coisa que habita a noite longe dele, quer dizer, qualquer outra coisa que não fosse um vormag, pois esses não temem nada nesse mundo.

O homem que sangrava por três lugares diferentes deixou as criaturas de lado ao ouvir o famigerado e familiar grito agudo e estridente das fúrias mortais. O som não foi muito alto e estava um pouco longe, que, para ele, pareceu vir de algum lugar do oeste. Com um movimento súbito, ele se pôs de pé com extrema agilidade e disparou para dentro da Floresta dos Sussurros, carregando a menina desfalecida em seus braços, com a esperança de conseguir chegar à cabana do valho Rasban a tempo. Ele sabia que enfrentaria problemas quando chegasse lá, mas como essa era a única solução possível no momento, o caçador faria valer a pena e salvaria a criança, nem que para isso tivesse que dar um fim naquele velho rabugento novamente.

O Caçador MisteriosoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora