Capítulo 28

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O interior do salão foi aquietando-se aos poucos, conforme o caçador chegava cada vez mais perto de reencontrar o seu centro. Seu coração ainda batia forte no peito enquanto a sua mão esquerda apertava cada vez mais o cabo da espada. Os nós da sua mão encontravam-se totalmente esbranquiçados e ele tratou de controlar a sua respiração para colocar os pensamentos em ordem.

Eu sabia que Gorvas era uma criatura maléfica. Isso ficou claro para mim desde a primeira vez que eu pus os olhos nele, porém, do mesmo jeito que vi a escuridão, também enxerguei um pouco de luz em seu coração, e por achar que a bondade poderia se sobrepor facilmente à maldade, nunca me passou pela cabeça que ele seriar capaz de fazer uma ruindade dessas com uma menina tão doce e totalmente inocente como a pequena Arryn. Como fui estúpido! Eu deveria imaginar que os humanos seriam capazes de uma atrocidade dessas. Já vi coisas piores acontecerem ao longo dos séculos. Não sei como ainda consigo me surpreender com eles, ralhou o caçador mentalmente consigo mesmo, tomando todo o cuidado para manter os seus pensamentos inacessíveis para a sua irmã. Seu coração gelou mais uma vez.

A criatura permanecia indiferente ao conflito interno pelo qual passava o caçador e parecia apreciar cada segundo desse momento. Um silêncio aterrador apoderou-se do salão enquanto o homem matutava sobre a recente descoberta. Esse fato causou um enorme desconforto nos poderosos demônios que tomavam conta do local e que já começavam a demonstrar um certo nível de inquietação, e instintivamente levaram a mão às armas. Todos sabiam como o espectro poderia ser perigoso, principalmente se provocado, e se encontravam receosos com a reação, ou a falta dela, do homem. Contudo, Gorvas se mantinha alheio a esse tipo de preocupações e fitava o caçador como se nada demais estivesse acontecendo, sentado no alto do seu trono espalhafatoso, com um sorriso de escárnio estampado no rosto.

— Gorvas — falou o espectro entredentes — desde o momento que pus meus olhos em você, eu fui capaz de enxergar toda a escuridão que o cercava — ele desviou o olhar da criatura para o chão e fechou os olhos — e, ainda assim, no meu íntimo e bem lá no fundo da minha alma, eu mantive a esperança de restar algum resquício de bondade em seu coração — ainda com os olhos fechados, ele virou a cabeça em direção à criatura, respirou fundo e abriu os olhos assim que as palavras saltaram cheias de ódio para fora da sua boca. — Se você fez algo de mal à menina, se você tocou em um fio do seu cabelo sequer, eu juro que nem que seja a última coisa que eu faça nesse mundo, nem que eu tenha que colocar esse castelo inteiro abaixo e matar cada um desses malditos demônios que o protegem, eu prometo, aqui e agora, que você não estará respirando quando essa conversa acabar.

Todo o desdém e desprezo que a criatura exibia momentos antes pareceu ser extirpado sem dó pelas palavras do caçador. Gorvas abriu a boca para falar alguma coisa, mas pareceu se arrepender e a fechou quase no mesmo instante.

O espectro percebeu o conflito que passava na cabeça doentia da criatura e perguntou.

-- O que você fez com a menina?

A criatura arregalou seus enormes olhos negros e mordeu com força o maxilar. Gorvas pareceu legitimamente acuado com as palavras do espectro e imediatamente levou a sua mão esquálida à pedra negra que vinha pendurada em seu pescoço por uma corrente dourada. Ele apertou a joia com firmeza e logo foi tomado por uma onda de coragem para rebater as acusações do homem parado a sua frente.

— Eu não tive escolha — falou a criatura com um leve tom de arrependimento na voz, porém, o caçador não parecia muito disposto a acreditar e encarava Gorvas com ódio no olhar. — Apenas uma criança inocente... sim, eu sei — a criatura gaguejou e sacudiu negativamente a cabeça se lamuriando. — Você acha que eu queria fazer algum mal a ela? Eu não queria... eu não queria... você tem que acreditar em mim! Ela tinha a idade do meu filho...

O Caçador MisteriosoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora