Capítulo 4

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A caverna encontrava-se silenciosa mais uma vez. O caçador aproveitou essa calmaria para recolher as suas facas de arremesso dos corpos das criaturas jogados ao chão. Enquanto andava de corpo em corpo recolhendo seus pertences, ele pôde ouvir nitidamente um leve tamborilar com uma cadência acelerada, que fazia tu-tu, tu-tu, tu-tu, cada vez mais forte e sem parar. O homem tinha certeza que o som que escutava não era proveniente do seu próprio coração e ficou feliz por finalmente ter encontrado ao menos um sobrevivente em meio a todo esse caos. Ele segurou as quatro lâminas, ainda sujas de sangue, com a sua mão esquerda e caminhou em direção à pilha de cadáveres humanos, no centro da cavidade onde se encontrava e falou:

— As criaturas estão mortas, pode sair do seu esconderijo. Não precisa ter medo, não estou aqui para te causar nenhum mal.

Silêncio foi toda resposta que o homem recebeu em troca. Ele se agachou para pegar um pedaço de pano no chão e começou a limpar suas facas de arremesso.

— Vamos! As outras fúrias podem retornar a qualquer momento e, a menos que você queira estar aqui quando isso acontecer, precisamos deixar esse local o mais rápido possível — o caçador falou com uma voz calma e serena, para tentar passar um pouco de segurança e tranquilidade ao único sobrevivente apavorado.

O caçador esperou alguns segundos. Ainda agachado, continuou:

— Bom, se você se apegou tanto a esse lugar a ponto de não querer deixá-lo, te desejo sorte quando os vormags voltarem. Ah! Tenho certeza absoluta que eles não ficarão muito felizes por encontrar seus irmãos jogados ao chão e sem suas cabeças, então é melhor não estar aqui quando retornarem. Espere eu sair e tome logo o seu rumo.

O homem se levantou ainda ouvindo o tu-tu, tu-tu, tu-tu do coração que batia acelerado de pavor. Momentos antes de se virar para partir, ele percebeu um leve movimento entre os cadáveres jogados no chão ao centro da cavidade e viu uma minúscula mãozinha tentando abrir caminho em meio a tantos corpos. O caçador sempre manteve firme o pensamento de encontrar alguém com vida, mas isso era bom demais para ser verdade, praticamente um milagre. Ele logo se apressou para ajudar a remover qualquer coisa no caminho entre ele e o único sobrevivente aos massacres que as fúrias lançaram sobre Eldrathor durante as noites passadas.

Ao terminar de remover todos os corpos de cima do sobrevivente, seus olhos se encheram de lágrimas e seu coração foi imediatamente inundado por uma reconfortante onda de calor. Parada à sua frente, o caçador tinha uma criança assustada, suja e maltrapilha. Com extrema suavidade na voz ele a tranquilizou:

— Não tenha medo, criança. Como se chama?

— Eu, eu, eu não consigo ver — a criança falou enquanto tateava no escuro.

— Não se preocupe com isso, você está segura agora — o caçador falou e pegou na mão da criança, que ainda tateava a esmo na escuridão.

Quando a criança sentiu o toque quente do homem misterioso, imediatamente se agarrou com uma força desesperada a seu braço e implorou em meio a choro e soluços:

— Por favor, por favor, não me deixe aqui, por favor. A escuridão, ela é... ela é... ela é malvada. Eu tenho medo dela. Por favor, me leve com você.

O homem se comoveu com o estado que a criança se encontrava e seu coração se encheu de dó. A raiva que sentia das criaturas cresceu dentro do seu peito e ele jurou, para si mesmo, em pensamento, que não descansaria um só minuto enquanto não desse uma morte bem demorada para quem quer que tenha sido responsável por trazer os vormags a esse mundo.

Passado o momento de raiva, o caçador abaixou-se e pegou a criança no colo. A julgar pelo seu peso e tamanho, ela não deve ter mais do que 7 ou 8 anos de vida, ele imaginou e a raiva voltou a crescer dentro do seu peito. O cheiro que a criança exalava não era muito agradável, mas o homem não se importava nem um pouco com isso. Tudo que importava para ele, no momento, era tirar essa alma pura e inocente de um lugar tão nefasto e maligno como aquele e levá-la para algum local onde ela pudesse ficar protegida e em segurança.

Uma onda de sentimentos passou pelo peito da criança. Enquanto encontrava-se nos enormes braços daquele homem, ela afundou ainda mais a cabeça em seu tórax e se agarrou desesperadamente em seus ombros e pescoço. Pela primeira vez em tantos dias, que ela não conseguia mais contar, a criança se sentiu segura, sem precisar ter medo de ser encontrada e devorada pelas horrendas criaturas.

O caçador tentou afastar um pouco a cabeça da criança de seu peito.

— Acalme-se, eu não a deixarei aqui sozinha.

— Me tire daqui, por favor... por favor... — a criança suplicou, enquanto agarrava o pescoço do homem com força e afundava ainda mais a cabeça em seu peito. Ela chorava tanto que ele pôde sentir as lágrimas ensopando a sua camisa.

— Nós já vamos sair daqui, eu te prometo, mas antes, preciso que você me fale o seu nome — disse o homem por cima da cabeça da criança.

— Se... se... se eu falar meu nome... pro... pro... promete que não deixa os monstros comer meus bracinhos e minhas perninhas? — a criança falou com tom de pavor na voz, enquanto tentava, desesperadamente, enxugar as lágrimas.

— Eu prometo que, enquanto eu estiver respirando, nenhuma criatura vai chegar perto de você — ele garantiu e na mesma hora sentiu uma dor bem no fundo de sua alma. Nenhuma criança deveria passar pelas atrocidades que essa passou, e o caçador estava determinado em cumprir com a sua promessa custe o que custar.

Alguma coisa dentro da criança dizia para ela acreditar na palavra do homem.

— Tá... Tá bom. Eu... Eu... Eu conto. Me... Me... Meu nome é Arryn.

— Arryn? — ao ouvir esse nome, o homem foi instantaneamente inundado de sentimentos e lembranças que encheram seus olhos de lágrimas e abriu um enorme buraco em seu peito. — Esse é um lindo nome, assim como você, doce Arryn.

— Vo... você gostou do meu nome? — a menina perguntou com surpresa na voz.

— Se gostei? É claro que sim, até porque... posso te contar um segredo? — a criança logo fez que sim com a cabeça e ele sussurrou pertinho de seu ouvido: — Você compartilha o seu nome com a minha irmã mais nova.

— Jura? — a menina arregalou seus olhos grandes e curiosos e continuou: — Ela está aqui com você? Eu... Eu não consigo ver nada, está tudo tão escuro.

— Não, infelizmente, ela não está aqui — o homem proferiu as palavras com um tom saudoso na voz. — Vamos deixar essa conversa para outra hora e dar o fora daqui de uma vez por todas. Vou te colocar no chão e...

— Não, não, não, não... — a criança se agarrou com mais força ao homem e ele pôde sentir o queixo da pobre menina tremendo de medo, sem parar. — No chão não, por favor... por favor... não... não me solte.

— Tá bom! Tá bom. Se acalme — ele deu um beijo na testa da menina e alisou seus cabelos enquanto tentava acalmá-la. — Nada de chão! Vou te levar no colo por todo o caminho. Combinado?

A menina não falou, mas o caçador sentiu o movimento quando ela fez que sim com a cabeça e imediatamente pôs-se a andar em direção à passagem pela qual havia chegado momentos antes, sempre tomando muito cuidado por onde pisava para não arriscar cair com a criança em seu colo. 

O Caçador MisteriosoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora