Capítulo 18

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Por mais que Rasban não tivesse muito interesse em ouvir o que aqueles dois intrusos tinham para falar, a conversa entre eles era tão intensa que, provavelmente, todos os seres que habitam a floresta seriam capazes de escutar de longe. O velho fantasma tinha mais com o que se preocupar e os deixou de lado, até porque o único pensamento que latejava em sua cabeça, no momento, eram as palavras que ele jamais imaginou escutar novamente, ainda mais vindas daquele brutamontes idiota: Daehena ficou incumbida de proteger a guardiã no meu lugar.

Foi muito duro escutar isso e Rasban tinha plena consciência disso. As palavras trouxeram à tona sentimentos que ele havia deixado para trás no momento em que resolveu se isolar numa cabana dentro da floresta dos sussurros, há muitos anos. No fundo, ele sabia que esse fato não teve nada a ver com a sua morte, que ele era o único culpado por seu isolamento, e principalmente por tê-la deixado sozinha no mundo por todo esse tempo.

Rasban fechou os olhos e tentou se lembrar do rosto dela, mas foi em vão. Por mais esforço que fizesse, ele não conseguia se concentrar o suficiente para alcançar as lembranças que havia deixado de lado por tanto tempo, e numa mistura de confusão e raiva, tratou de jogar a culpa nos dois homens que conversavam sem parar e ralhou ferozmente com eles. Os dois pararam por um momento de falar, olharam para a carranca que Rasban fazia, então se entreolharam novamente e logo depois deixaram de lado o velho fantasma rabugento falando sozinho e voltaram a conversar.

Ciente de que estava sendo sumariamente ignorado em sua própria casa, Rasban resolveu deixar aqueles dois intrusos para lá e foi dar uma olhada na pequena Arryn. Ao chegar na cabeceira da cama, o fantasma pôs a mão na cabecinha da criança e, para sua surpresa, a febre parecia estar, finalmente, cedendo. Tudo o que veio em sua mente nesse momento foram as palavras proferidas pelo caçador antes dele pegar no sono: não se preocupe com isso, ela vai sobreviver. Como o desgraçado tinha tanta certeza que isso aconteceria? Ele virou alguma espécie de vidente agora? Rasban se indagou.

A verdade era que por mais que ele sentisse raiva do caçador, Rasban estava muito feliz pela pequena Arryn estar respondendo bem ao tratamento. Com o ânimo renovado, ele tratou de limpar a ferida na perninha minúscula e delicada da menina, que a essa altura não mostrava sinal de infecção e já iniciava o processo de cicatrização, graças à mistura especial que o velho aprendeu na época em que ainda tinha um corpo com vida. Logo depois, trocou o curativo, e entre alguns gemidos e grunhidos da criança, ele deu mais alguns chás e misturas líquidas para a menina beber. Por fim, quando se encontrava colocando um pano úmido na testa da menina, ele sentiu alguns passos atrás de si e uma mão tocando em seu ombro.

— Então, dê-me as boas notícias, velho.

Rasban se desvencilhou da mão dele propositalmente ao se levantar e virou de frente para o homem, quando falou:

— Não sei se você adquiriu o dom da vidência ao longo dos anos ou se isso apenas faz parte da sua habitual arrogância, porém, dessa vez estou inclinado a deixar essa questão de lado, uma vez que tudo o que importa é que ela está reagindo muito bem ao tratamento, e arrisco até mesmo a dizer que já se encontra totalmente fora de perigo.

O caçador abriu um sorriso de canto de boca que Rasban não soube decifrar se era de alívio, felicidade ou soberba, mas como ele mesmo disse, nada disso importava, então, ele relaxou e recebeu as palavras do homem de coração aberto.

— Rasban, eu posso parecer arrogante, até concordo que realmente sou algumas vezes — o caçador relaxou um pouco a postura e jogou o peso do corpo de uma perna para a outra ao continuar — , mas fui muito sincero quando disse que confiava em você para essa missão. Eu tinha certeza absoluta que você faria tudo ao seu alcance e não descansaria um só minuto enquanto ela não estivesse longe do perigo. 

O Caçador MisteriosoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora