Capítulo 13

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O velho mal abriu a porta e o homem, com o corpo muito ferido e sangrando por três lugares diferentes, cambaleou para dentro da sua cabana com uma certa dificuldade, tropeçando em suas próprias pernas, enquanto lutava para se equilibrar com a menina desfalecida em seus braços. O fantasma estava com o olhar fixo para o lado de fora e nem pareceu notar quando o caçador passou direto por dentro dele, como se não houvesse alguém ali, e colidiu violentamente com as costas na parede interna da casa.

A luz do dia estava prestes a chegar, cinzenta e insossa, como sempre foi nesse mundo cruel e esquecido por todos. Pelas contas de Rasban, não deveria faltar mais do que uma hora para a noite acabar, mas, ainda assim, olhando atentamente para a mata e para as árvores do lado de fora da sua casa, estava claro para ele que o movimento das criaturas do mal, que reivindicaram a noite em Eldrathor como o seu habitat natural, não era normal.

Espíritos errantes e alguns fantasmas perdidos e desolados vêm visitar o velho de quando em quando, em busca de ajuda e orientação. Às vezes, até mesmo uma aparição desgarrada bate à sua porta, atraída pela essência enigmática de Rasban, sem nem ao menos entender o porquê. Isso para ele é mais do que normal, há muitos anos essa rotina se repete, noite após noite, sem interrupção, mas, hoje, o que ocorre do lado de fora da cabana ultrapassou qualquer barreira de normalidade e se tornou algo terrível e assustador, até mesmo para um ser tão velho e acostumado com o sobrenatural quanto ele.

— RASBAN! — o caçador gritou tentando chamar a atenção do fantasma, que parecia estar com os olhos arregalados, incrédulo, olhando fixamente para o lado de fora. Sem muita paciência e absurdamente cansado, ele resolveu ser mais enfático desta vez:

— Seu velho fantasma idiota! Feche essa maldita porta de uma vez e venha me ajudar com a criança.

Ainda assustado, o fantasma olhou na direção do caçador, parecendo não acreditar muito no que seus olhos haviam acabado de presenciar e o encarou por um tempo, quase como se estivesse esperando alguma explicação do homem que acabara de adentrar a sua casa, e como nenhuma resposta para a sua pergunta silenciosa chegou, ele virou a sua cabeça para olhar uma última vez para fora e então finalmente fechou a porta, quase ao mesmo tempo em que bufou de raiva e vociferou enquanto caminhava em direção ao homem.

— De todas as besteiras que já fez durante as suas muitas vidas — o fantasma do velho Rasban se aproximou gesticulando e apontou para a porta ao terminar de falar — essa é de longe a maior de todas elas. Como você foi capaz de atrair todas essas criaturas até a minha porta?

— Rasban...

— Não, pode parar! Não me venha com as mesmas desculpas velhas e esfarrapadas de sempre, eu ainda não terminei de falar tudo que você merece escutar, então não ouse me interromper antes de eu acabar. — O velho estendeu a mão em riste na direção do caçador ao interrompê-lo aos gritos, sem nenhuma cerimônia. — Entendido?

— Não! — o caçador respondeu entredentes.

— Não? — o fantasma perguntou aos berros.

Cansado de falar e principalmente de ouvir as sandices daquele fantasma velho e rabugento, o caçador virou as costas e o deixou reclamando sozinho no corredor de entrada da cabana.

O interior do local era composto por apenas um cômodo comprido e relativamente grande. Diversas lanternas e velas que nunca se apagavam, pois suas chamas eram mágicas e queimavam dia e noite sem parar, iluminavam muito bem o ambiente. Duas camas de solteiro estavam dispostas na parede posterior à porta, com uma cômoda de seis grandes gavetas entre elas. Em cima do móvel haviam duas bacias de carvalho cheias com água fresca, vários frascos de vidro com diversos tipos de misturas e alguns panos limpos e macios, posicionados estrategicamente, um ao lado do outro, de forma bem organizada.

Na frente das camas, tinha uma mesa de madeira redonda, com um cesto cheio de frutas, uma jarra de água e seis copos e pratos de barro sobre ela, junto com alguns pares de talheres feitos de ferro. Seis cadeiras se encontravam espalhadas ao seu redor e duas belíssimas e confortáveis poltronas estavam posicionadas bem abaixo de uma enorme janela, que, no momento, encontrava-se totalmente fechada.

No final do cômodo, tinha uma espécie de cozinha um pouco improvisada, porém, bem limpa e organizada. Dava para ver algumas panelas penduradas na parede, além de dois grandes armários com as portas fechadas e uma bancada com alguma coisa sobre ela que o caçador não foi capaz de identificar.

O homem caminhou até a cama mais próxima e pousou delicadamente a menina sobre ela, tomando muito cuidado para não fazer movimentos bruscos e assustar ainda mais a criança, que delirava e suava sem parar. Depois de aninhá-la nos cobertores, ele foi até a cômoda, pegou um pedaço de pano e o mergulhou até o fundo na bacia de carvalho cheia de água. Ao voltar para a menina, ele já estava prestes a começar a limpeza do horrível e fedorento ferimento na perna dela, quando foi bruscamente interrompido pelo velho.

— O que pensa que está fazendo? — Rasban se jogou na frente do caçador, de forma a impedir que ele chegasse mais perto da cama onde a menina encontrava-se deitada.

— Vou limpar a ferida dela, oras. — O homem deu de ombros, segurando o pano encharcado de água na mão.

— Limpar? Você está imundo! — O fantasma enxotou o homem com as mãos e falou: — Deixe que eu faço isso. Aproveite esse pano que está na sua mão e vá se limpar longe daqui.

O Caçador MisteriosoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora