Viarello, novembro de 1847

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Caríssimo João Gabriel, 

Primeiro quero agradecer pelo presente maravilhoso que me enviou no meu aniversário — aquela gravura é realmente preciosa! — e ambos sabemos que significa muito mais do que uma simples mãe e seu filho.

Também fiquei realmente muito feliz com a sua carta e com as notícias que ela me trouxe, sobre suas experiências em Coimbra e a conclusão do seu segundo ano de estudos, o que fez meu aniversário de dezesseis anos parecer mais promissor, do que apenas mais um ano concluído sem sair da Viarello.

Porém, não consegui conter um pensamento realmente egoísta que me invadiu: faz dois anos que você se foi, metade da jornada já foi concluída, e tudo o que eu quero é que a outra metade passe mais rápido do que a primeira, para que eu possa ter você de volta ao meu lado.

Me desculpe a melancolia, mas, e pra você sei que posso dizer, é assim que eu me sinto.

Se não bastasse a decepção de fazer dezesseis anos e receber de presente uma festa onde eu não podia encontrar um rosto amigo sequer — todas as debutantes pareciam mais interessadas em arrumar um pretendente do que comemorar a vida — ontem Hades, nosso cachorro amado que de deus dos infernos não tinha absolutamente nada, completou seis anos e morreu, atacado por um animal selvagem, que ninguém conseguiu identificar.

Eu passei o dia todo caminhando pelos jardins, até o lago, e ele me seguiu durante todo o tempo. A tarde me sentei em baixo da nossa árvore, relembrei com ele o dia em que você encontrou sua mãe dando a luz, assim como dez anos antes, tinha encontrado a minha. Revi todos os detalhes daquele dia: a forma como você imediatamente levou a cadela pra sua casa, cuidou dela e ajudou-a a parir todos os três filhotes. Você se lembra?

Quando o capataz disse que você tinha jeito com os animais, você disse ao seu pai que queria ser um veterinário e em seguida, recebeu o sermão típico dos filhos varões: se você abandonar meu legado, quem cuidará dos negócios da família?

Confesso que sentar abaixo do nosso chorão e conversar com o Hades me fez sentir um pouco mais próxima de você. Ah João, como eu sinto a sua falta!

E agora, que nosso cachorro a quem vimos nascer está morto, sinto como se a única testemunha de todas as nossas conversas, as nossas aventuras e sonhos para o futuro, tivesse levado consigo os anos nos quais eu fui mais feliz, mais completa.

Bobagem, não é?

Acho que estou só me sentindo muito sozinha. Tenho a Maria, claro, mas ninguém nesse mundo pode substituir você.

Quando eu conversava com você, me encontrava comigo mesma.

Sem ouvir a sua voz por dois anos, chego a pensar que não sei mais quem eu sou.

Sinto-me tentada a implorar que você volte, me resgate, largue tudo por amor a mim, a nossa amizade, nossa irmandade. Chego a pensar que se eu fosse tão egoísta e fizesse isso, você provavelmente iria me atender.

Mas eu não farei. Não posso querer construir meu futuro e minha liberdade sobre o sacrifício de ninguém, muito menos daquele que eu amo com todo o meu ser.

Sim eu estou triste e saudosa, meu amor. Mas é só por hoje.

Beijos,

Sabrina

Desde o Princípio - Livro 1 - Passado no PresenteWhere stories live. Discover now