Capítulo 4

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A lição que se aprende apenas com a maturidade

Vila Velha do Caminho Real, 1 mês atrás

___ Oh, senhor! — Emengarda não escondia mais as lágrimas, horrorizada com o final da história — Que história terrível!

___ Julgo que é exatamente por isso que me lembro de tudo tão bem. — Roberto se recostou, parecendo ter recuperado totalmente a calma.

O interlocutor, porém, ainda não estava totalmente satisfeito com o que tinha ouvido:

___ E o que aconteceu com João Gabriel depois disso? — questionou, voltando os olhos para os retratos ali.

Tanto amor e felicidade ainda aparentes depois de quase 200 anos, mas que se esvaiu tão rapidamente, eternizado apenas pelas imagens.

___ Enlouqueceu, eu acho. Por opção, claro, ele não quis mais voltar à realidade. Tudo o que ele guardava consigo eram essas fotos e algumas cartas, que eu temo que tenham se perdido no tempo... — afirmou com ar de lamento.

___ Quanto sofrimento para uma só pessoa! — Eros não conseguia parar de pensar no que atormentara aquele pobre homem, em como deviam ter sido seus últimos anos de vida, preso ao passado, as pessoas que ele amava, todas mortas!

Toda a injustiça o horror que sofreu...

___ A minha avó, que era muito próxima da senhora da Veiga, foi quem cuidou do João Gabriel até o final. Ela o amava como um filho, e manteve sempre com muito cuidado todas essas coisas, mesmo depois de muito tempo dele ter partido.

___ E como foi que ele morreu? — ele faria todas as perguntas até seus questionamentos serem esgotados.

Porém, desconfiava que jamais seriam, não quando olhava para a imagem do homem e da jovem, eternizadas em preto e branco, amareladas pelo tempo.

___ Depois de perambular por alguns anos por esses campos, sem nunca mais adentrar a mansão que era de sua família, preferindo viver entre os escravos libertos ou não a aceitar tudo que, por culpa, o senhor Espósito tinha deixado à sua disposição, João Gabriel finalmente expirou, dormindo, em alguma madrugada fria de inverno. Acho que já tinha pagado por sua ira, por tudo.

___ Mas a maior vítima foi ele! — ao perceber que seu comentário tinha soado alto demais, Eros se sentiu um pouco envergonhado.

___ A ira é um pecado que faz sofrer mais o pecador, do que a quem foi destinada, meu caro Eros. — Roberto repetiu as palavras que tinha ouvido há muito tempo, e que na época, tinham feito tão pouco sentido para ele quanto fizeram para Eros, naquele momento — E nunca se deve pagar injustiças, com mais injustiças, era o que dizia o meu avô a respeito disso tudo. João Gabriel não devia ter sujado suas mãos com o sangue do Duque, devia ter deixado que o mundo se encarregasse dele!

___ Mas ele destruiu sua vida! Levou tudo o que tinha, matou seus pais, a mulher que ele amava! Na sua frente! — aquilo era inconcebível para Eros.

___ Há muito os homens já tinham descoberto que o preço a ser pago pelo olho por olho, dente por dente, era alto demais! Três pessoas morreram naquele terrível embate, na mansão dos da Veiga. João Gabriel, no entanto, teve ainda que carregar o peso do ódio e da culpa, até seu corpo ser, finalmente, engolido pela terra, pois sua alma, naquele mesmo dia, ele perdeu.

___ Mas... — Eros ainda pensou em argumentar, mas, percebendo que nada do que dissesse o faria ter razão, recostou novamente na cadeira, vendo o senhor começar a rir, como quem percebia a sua súbita vergonha — Deus, que história!

___ Não imagine que eu estou rindo de você, meu caro, não é verdade! — Roberto, porém, não conseguia cessar seu riso — Mas sim, da juventude! Na primeira vez que ouvi essa história, tive exatamente a mesma reação que acabou de ter!

Eros se sentiu menos envergonhado.

___ Julguei que meu avô era desprovido de coragem, que só dizia aquilo tudo porque amava demais João Gabriel da Veiga, e não conseguia se conformar com o seu abandono de todas as coisas e morte prematura. — ele bem se recordava da tarde chuvosa em que tinha encontrado aquelas fotos e questionado seus avós, que lhe contaram toda a história. Ele não devia ter mais de 15 anos, na época — Mas hoje, neste momento, descobri que levei mais de 60 anos para entender que meu avô tinha razão. A ira destrói num segundo, tudo o que o amor pode levar uma vida inteira para construir.

Eros, que ouvia atento a conclusão do Sr. Rossi, ao final, acabou abrindo um sorriso, ainda pensativo.

___ É que, meu Deus, estou ouvindo as mais diversas versões dessa história há anos, e sabia que ela não devia ser imbuída de magia, ou cercada de maldição, como dizem, mas nunca imaginei que a história verdadeira fosse ainda mais fascinante do que a ficção!

___ Ou que você pudesse ser tão parecido com João Gabriel da Veiga! — Roberto completou o pensamento do jovem sentado à sua frente, vendo-o confirmar seu comentário:

___ Com certeza, eu não esperava isso!

Roberto recostou-se, parecendo refletir sobre as palavras que diria a seguir:

___ Por favor não me entenda mal, porque apesar de ter sido influenciado pela mística de Vila Velha do Caminho Real, eu também sempre tive minhas reservas quanto ao espiritismo, mas, um crédulo, diria que você realmente viveu tudo aquilo.

A expressão de Eros se transformou completamente, ao ouvir o comentário do velho senhor. De estupefato, passou a de um fascínio surpreendente, como se ele tivesse, realmente, visto ou sentido algo sobrenatural.

___ Um crédulo, diria que, numa vida anterior, você foi João Gabriel da Veiga, essa é a única explicação para uma semelhança física como essa!

As últimas palavras do velho senhor derrubaram, definitivamente, toda a calma que Eros tentava cultivar, em seus últimos dias no Portal dos Anjos, como também era conhecida a cidade. E era nisso que ele pensava, exatamente uma semana depois.

Havia saído do castelo naquele meio de dia, em choque, sem terminar sua sessão de fotos, sem copiar os documentos ou os retratos do casal da Viarello, conseguindo apenas pensar na história que ouvira.

Desde o Princípio - Livro 1 - Passado no PresenteWhere stories live. Discover now